Nostalgia | Rocky – 40 anos

Pôster do filme Rocky (1976)

Histórias de superação são, desde sempre, um clichê bem vindo: aqueles indivíduos que conseguem superar todas as dificuldades para sagrarem-se vencedores contra o quê ou quem quer que seja inspiram gerações desde que o primeiro ser humano contou uma história para outro ser humano: pode ter sido a história do caçador que venceu sua presa e conseguiu alimentar sua família na época das cavernas, pode ter sido a história de um insurgente que se levantou contra seu governo tirano. Ou pode ser a história de um pobre trabalhador do interior dos Estados Unidos que, como por milagre, tem a oportunidade de enfrentar o campeão mundial dos pesos pesados do boxe.

Se formos parar pra pensar friamente, a própria história de Sylvester Stallone é mais um desses casos de superação/inspiração – como muitas vezes já aconteceu, criador e criatura se misturam, se entrelaçam, se tornam um em muitos momentos.

Procurar um comprador para o script de Rocky – Um Lutador (título brasileiro, que acresceu o subtítulo ao nome original em inglês), escrito em meros três dias e meio pelo roteirista – à época iniciante, uma tarefa difícil por si só, além de desconhecido – Stallone ainda exigia que o ator que daria vida ao papel título deveria ser ninguém mais, ninguém menos que o próprio Sly. Some a isso a pouca verba – pouco mais de um milhão de dólares – conseguida com muito suor. Agora imagine que dessa equação escassa, cercada de incógnitas, tenha surgido uma arrecadação que beirou os 225 milhões, algumas indicações para o Oscar e ainda mais surpreendentemente, três estatuetas douradas – sendo uma para o roteiro escrito em três dias e meio pelo empolgado Sylvester Stallone, que após ter visto Muhammad Ali lutar, tinha em seu ímpeto a certeza de que precisava contar uma história para o mundo.

Fotografia mostra parte das filmagens do filme Rocky (1976)

Muito se questionou quanto à originalidade da história – mas a forma como ela foi contada por Stallone fez do filme algo muito singelo, muito sincero. Nos apaixonamos pela história de Rocky Balboa, um boxeador nas horas vagas, que enfrentava uma luta mais difícil para sobreviver entre alguns bicos. Sua atuação deu vida à Rocky, aquele cara gente boa, com alguns trejeitos na fala e dificuldade para se expressar claramente. É claro que, alguns anos depois, percebemos que aquele era Stallone sendo ele mesmo, mas na época nos parecia uma atuação muito mais do que competente.

Acompanhamos ainda o campeão mundial Apolo Creed (que no Brasil virou Doutrinador, sabe-se lá por que razão) buscando um novo desafio para o dia de Ação de Graças, feriado mais do que tradicional na terra do Tio Sam, já que havia perdido o desafiante que quebrou a mão há pouco mais de um mês da grande luta. Em sua benevolência sem precedentes, Creed decide dar a chance para um lutador desconhecido, em uma luta que mostraria o quão generoso era. Bom, isso é o que ele queria que parecesse, pois na verdade, sabia que essa história toda poderia lhe render ainda mais dinheiro. E foi aí que, em meio a vários nomes de lutadores do submundo, que escolheu aquele que tinha o apelido mais chamativo: O Garanhão Italiano. Direto da indústria do soft porn para a badalada disputa pelo cinturão mundial. Como não confundir, mais uma vez, criador e criatura?

Passamos a acompanhar a disparidade entre Rocky e Creed – que nem é a banda. Enquanto nosso Italiano da boquinha torta treina batendo em carnes, correndo pelas ruas e escadarias da cidade, tendo que conciliar trabalho e treino com a aproximação ao grande amor da sua vida, Adrian, Creed tem consigo o que de melhor o dinheiro pode lhe proporcionar, apoio da mídia, um jeito extravagante de ser que contrasta absurdamente com o introvertido Balboa. É Davi contra Golias em quase todos os sentidos. Chega a ser quase uma representação da luta de classes. Como bem disse uma critica do filme à época, Rocky é praticamente uma Cinderela masculina marxista.

E assim nasceu um dos maiores ícones do cinema. Rocky fez com que milhares de pessoas se importassem com o boxe, e enxergassem que por trás de pessoas se digladiando, haviam grandes histórias, sentimentos. Ele e Ali, na década de 70, pavimentaram o caminho que fez do boxe o esporte que mais movimentou cifrões no mundo nas próximas décadas.

E muito mais do que inspirar pessoas, Rocky era um filme realmente muito bom. O roteiro era muito bem amarrado, e fazia daquele filme muito mais do que um “filme de luta”, como muitas pessoas acham. É a história de pessoas em busca de seus sonhos, lidando com as dificuldades do dia a dia. Muito mais do que a bestialidade do homem que aguentou ser surrado pelo campeão mundial por 14 rounds e (olha o spoiler de 40 anos) perder em uma divisão dividida bem polêmica, o que chamou a atenção foi toda a fragilidade e maneira única com que Balboa encarava o mundo ao seu redor – consciente de quem era, de suas “baixas habilidades” além do uso dos punhos, se conformava em ser quem era, mas nunca em ser derrubado por isso. Pois vocês sabem: “Ninguém baterá tão forte quanto a vida. Porém, não se trata de quão forte pode bater, se trata de quão forte pode ser atingido e continuar seguindo em frente. É assim que a vitória é conquistada”.

Além disso, havia um elenco de apoio que se tornou icônico – Carl Weathers deu a imponência e petulância necessária ao Doutrinador. Talia Shire era encantadora enquanto interesse romântico de Balboa, podíamos entender porque ele se apaixonou tanto por sua musa Adrian. Burt Young era o adorável canalha Paulie, aquele que odiávamos e amávamos quase com a mesma intensidade. Além do paizão do Rocky, o severo Mickey, vivido por Burgess Meredith. Prova de que o elenco estava afiadíssimo? Com exceção de Carl Weathers, todos os mencionados  acima foram indicados ao Oscar – até mesmo o próprio Stallone.

Adicione a essa fórmula a direção inspirada de John G. Avildsen, que lhe rendeu o Oscar em 1977 – mas que depois disso não fez nada muito bom, além dos três primeiros Karate Kid e de uma volta ao mundo de Rocky, por trás das câmeras do triste e fraco quinto episódio. E tempere tudo com uma trilha sonora inesquecível feita por Bill Conti, que rendeu mais uma das três estatuetas do filme – Gonna Fly Now, como melhor canção original.

Fica difícil falar de um filme que marcou tanto quanto Rocky sem se deixar levar por tudo o que ele trouxe consigo depois – seja a influência na cultura pop, seja por conta de ter se tornado uma grande franquia cinematográfica, com alguns filmes bons e divertidos, outros nem tanto, dos quais vamos falar um dia. Mas falar do ser humano é isso: não dá pra ficar indiferente.

Coloque seu moletom, dê play nessa música abaixo, e tente não querer enfrentar o mundo – o recado foi bem dado, senhor Stallone.

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