Review | Fresno – A Sinfonia de Tudo Que Há

Capa do álbum "A Sinfonia de Tudo Que Há", lançado no último dia 13

Capa do álbum "A Sinfonia de Tudo Que Há", lançado no último dia 13

Se ao ver o título desse Review você já pensou em algo como “mas vão falar daquela bandinha emo?”, sugiro que permaneça até o fim desse texto e veja se seus conceitos acerca dessa banda ainda serão os mesmos.

A Fresno é uma banda gaúcha, formada no início dos anos 2000, e que depois de muito sucesso no underground nacional (conquistado em grande parte quando a banda se mudou pra SP e passou a frequentar a forte cena hardcore da década passada), estourou para o mainstream com a ajuda do produtor Rick Bonadio – persona non grata em muitas das bandas com as quais trabalhou, por, dentre outras queixas, ter usado uma mesma fórmula de sucesso à exaustão, o que plastificou e despersonalizou o som de muitos grupos musicais. Uma dessas vitimas foi a própria Fresno, que em seu quarto CD, chamado Redenção, destilou pela MTV e rádios FM da época músicas que pouco lembravam o próprio som da banda – mas que muita grana renderam a quem estava por trás disso.

Depois disso, a banda decidiu largar a batuta (rédea?) de Bonadio e das gravadoras, e caminhar por conta própria. independentes, começaram a amadurecer e lançaram seus melhores trabalhos – em especial, Infinito, de 2012, e o EP Eu Sou a Maré Viva, de 2014. Largaram o som radiofônico de outrora investindo em sons mais orgânicos, composições menos óbvias e até passagens mais progressivas. Ainda traziam consigo uma pequena influência dos tempos onde usavam calças agarradas e franjas, em especial nas letras, mas coisa que foi diluindo-se com o tempo. E o tempo tem sido um grande aliado da banda.

Na última quinta-feira, a banda liberou para venda digital o seu sétimo CD, intitulado A Sinfonia de Tudo Que Há, produzido novamente de maneira independente. Assim, sem muito alarde, sem material novo para os fãs – que na verdade já conheciam três canções do álbum, mas que receberam aqui arranjos diferentes. E foi assim, quase que ás cegas, que fui ouvir o álbum. Recheado de expectativas, pois vinha acompanhando o crescimento acelerado que os rapazes demonstravam em seu trabalho. E foi muito bom ter sido assim, pois desprovido de um norte, me senti embalado por diversos rumos.

A banda em estúdio (Mário Camelo, Tiago Guerra, Lucas Silveira e Gustavo mantovani) com Caetano Veloso ao centro

Sexto Andar abre o play numa levada calma, ainda que crescente. Já de cara, fica evidente uma característica que permeia o álbum: mais do que antes, Lucas Silveira, o compositor, guitarrista e vocalista da banda, é o epicentro da banda e do álbum. Sua voz está cada vez melhor, suas letras têm amadurecido e encontrado um tom poético raro de se ver nos dias de hoje. E ele fará desse álbum, mais uma vez, um manifesto pessoal.

Em seguida, Deixa Queimar adiciona um quê de ritmos nordestinos à música, mais pesada e grooveada que a anterior. É das melhores do álbum – e tem uma letra muito boa. “Um filme pálido sem final / Que eu assisto sem mudar de canal”.

Pouco tempo antes do lançamento, quando do anúncio deste álbum, saltou aos olhos a informação de que Caetano Veloso faria uma participação especial na canção Eu Sou Trovão. A música tem percussão interessante, e um arranjo de cordas muito bom, onde conversam muito bem as vozes de Lucas e o cantor de MPB. Uma canção boa, mas que diante do restante do álbum, passaria despercebida, não fosse pelo nome de peso de Caetano.

E aí temos aqui a trinca mais forte do álbum – especialmente em termos líricos. Poeira Estelar, O Ar e Abrace a Sua Sombra já eram conhecidas pela vasta fan base da banda, sendo que a primeira e a última eram inéditas e foram apresentadas em arranjos intimistas de voz e violão em alguns shows da banda, e O Ar é uma versão repaginada de uma canção mais antiga do grupo. Se o disco não havia lhe conquistado até aqui, desse trio você não sairá ileso. Letras que são basicamente uma suma do que Lucas Silveira trata durante os 52 minutos de música daqui: o questionamento de si mesmo diante do mundo e da vida, a dor e o quão forte e duro é enfrenta-la, a vontade de superar tudo que há de ruim, o ressurgir. O amor, em todas as suas formas – boas e ruins.

 

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Astenia é outra das minhas preferidas, carregada de influências de Queen Of The Stone Ages e até da nossa Scalene, é carregada pela cozinha e pela forte interpretação de Lucas. A Sinfonia de Tudo Que Há é outra que parece ter um cunho extremamente pessoal, tanto na letra, quanto nos arranjos orquestrados, onde há bom espaço pras intervenções eletrônicas – bem mais contidas e atmosféricas nesse álbum do que em outros.

Axis Mundi e A Maldição são as mais pesadas do álbum. A primeira tem bastante influência de QOTSA novamente, além de Muse (influência mais forte nos álbuns imediatamente anteriores a esse), e teclados que particularmente me lembraram Oficina G3 em seu trabalho mais recente. Já A Maldição pega pesado com guitarras, que passaram o álbum todo em segundo plano. Um riff com uma timbragem bem bacana e uma bateria quase marcial que remete à um Heavy Metal mais contemporâneo, vai te fazer chacoalhar a cabeça enquanto você se questiona com a letra de Lucas Silveira: “Veja só como eu sou incapaz / De reinstaurar a paz / Que nasce com todos nós”.

Canção Desastrada tem clima de despedida, vai tudo se acalmando até o silêncio tomar conta dos seus ouvidos e lhe deixar pensando por um tempo nessa viagem em que você esteve. Uma viagem por sentimentos conflitantes dentro de você mesmo.

Aqui a Fresno atingiu um novo patamar: e não tem muita companhia lá. Neste, que desde já é um dos mais fortes concorrentes a álbum nacional do ano, os caras se livraram por completo de quaisquer amarras que tinham num passado já distante, e se deixaram levar apenas pela música que querem fazer. Chegaram a um ponto de notar que a música está bem mais além do que as vezes pensamos – ela está em tudo. Ela pode fazer ressoar até uma pedra, como mostra a bela capa do álbum. Ela ecoa no coração daqueles que estão felizes, daqueles que estão sofrendo. É a sinfonia de tudo que há.

O álbum está disponível para compra em todas as plataformas digitais, além da audição gratuita que você pode fazer aqui, no playlist disponibilizado no canal oficial da banda. Outros detalhes e informações você consegue no Facebook, Twitter e site oficial do grupo.

Fresno – A Sinfonia De Tudo Que Há
Independente
13/10/2016

01. Sexto Andar
02. Deixa Queimar
03. Hoje Sou Trovão
04. Poeira Estelar
05. O Ar
06. Abrace Sua Sombra
07. Astenia
08. A Sinfonia De Tudo Que Há
09. Axis Mundi
10. A Maldição
11. Canção Desastrada

3 thoughts on “Review | Fresno – A Sinfonia de Tudo Que Há

  1. Esse album é um turbilhão de sentimentos. É magnifico! A cada música você sente algo diferente. Música feita com o coração, com emoção. Disso que precisamos, de capricho, de belos arranjos. Musica é para ser sentida. Parabéns à banda por esse presente.

  2. Das bandas nacionais, antigas ou “novas”, a Fresno é a única que me interesso a ouvir no momento. Tem algo de antigo no som moderno dela, aquela história de olhar para trás mas com os pés caminhando para um futuro desconhecido, e esse desconhecido se traduz no som da banda. Do “Cemitério” ao “Infinito” e da “Maré” até a “Sinfonia” só tenho elogios a eles.

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