A década de 90 vivia uma efervescência dos videogames: fosse pelas reportagens demonizando aqueles aparelhos, fosse pelo imenso apelo popular dos mascotes da época, toda criança queria ter um SNES, um Mega Drive, um DreamCast, um N64.
Mas nem todas tinham. Eu não tinha.
E aí, me restava comprar revistas de detonados (houve uma época que as revistas traziam códigos sobre os jogos, e até ensinavam todos os truques e macetes para completar seu game favorito) para poder partilhar de minhas aventuras imaginárias com meus amiguinhos na escola. O quê, só eu fazia isso? Bem…
É claro que eu jogava um SNES ali na casa de um amigo, um Mega Drive na casa de um vizinho, um Atari na casa de um primo… mas eu queria algo meu. E um dia meus pais me realizaram esse sonho – não da maneira que eu queria, mas o realizaram.
É aí, nesse contexto de dor e sofrimento, que entra o objeto de estudo desse texto: o Brick Game. O Tetris de camelô. O maior portátil do mundo. Uma máquina devastadora. E um excelente peso de papel quando as pilhas acabavam.
Ah, como eu fiquei feliz! Na verdade, não acho que tenha ficado tão feliz assim, mas sempre me contentei com pouco, então eu devo ter ficado bastante satisfeito sim.
Eu finalmente podia dizer para todos que tinha um videogame, e o melhor: eu podia carregá-lo pra onde quer que eu fosse. E eu o fiz. Por uns dois dias no máximo. Mas só carregava ele por aí mesmo, pois mal tirava ele da mochila pra jogar em público – vai que alguém visse?
Mas é inegável que aquele pequeno aparelho preto me trouxe um mix de emoções como poucas vezes senti na vida – outra vez foi na faculdade. ódio, amor, orgulho, vergonha. Tudo ao mesmo tempo. Talvez, pra fazer jus à biblioteca absurda de games que eu tinha em mãos: 9999 jogos! É de fazer dono de locadora chorar sangue.
Mas é isso mesmo: eram quase 10 mil jogos em um único aparelho. É claro que não eram exatamente 10 mil jogos… eram cerca de uns 10, com variações de velocidade, de ponta-cabeça, começando pelo meio, pelo fim, em níveis de dificuldade diferentes (que se resumiam a aumentar a velocidade). É uma lição que PES, Call Of Duty e Assassin’s Creed fizeram questão de colar com eximia maestria na prova.
Vamos falar sobre alguns dos jogos? Vamos: Tetris. Tem Tetris de tudo quanto é jeito – é quase uma hamburgueria gourmet de Tetris. Aliás, tente aí repetir a palavra Tetris por 5 vezes sem se enrolar todo. Conseguiu? Agora faça isso 9999 vezes.
Tetris todo mundo conhece: encaixar pecinhas umas nas outras. Elas caem, você as ajeita durante a queda, e tenta fazer uma sólida construção com isso. É como ouvi uma vez: a vida é como Tetris, uma vez que seus erros do passado não desaparecem com seus acertos posteriores e vão se acumulando… Vamos mudar de assunto, né.
Haviam também uns joguinhos de moto (aquilo era uma moto, certo?), de avião, de pontinhos, de quadradinhos, de qualquer coisa que você quisesse imaginar, pois ninguém pode lhe impedir de sonhar!
O design do aparelho era bem anatômico, imaginando que nós crianças tínhamos mãos de jogadores da NBA. Mas imagino que isso tudo era parte de uma conspiração para que desenvolvêssemos dedos mais longos.
Os sons monofônicos eram hipnotizantes. Trilhas sonoras dignas de Hans Zimmer em seu ápice criativo. E era bem alto, me lembro de sempre me assustar terrivelmente quando ligava aquele trem. E lá ia ele pro chão.
Mas aí vem outro ponto positivo: aquilo era resistente. Minhas costas que o digam, pois eram sempre o alvo da minha mãe quando queria me atingir após ter aprontado alguma coisa.
É claro que a vida útil desses games não era das mais extensas comigo. Sempre fui de criar imensas expectativas, só pra ter quedas ainda maiores depois delas. Joguei loucamente esse jogo por cerca de meia hora, e depois ele ficou acumulando poeira por um bom tempo.
Mas a cada semana eu ia lá e jogava ele. Era sempre bom poder me lembrar que tinha o meu videogame. Não que fosse uma experiência fantástica, mas tal qual a história das revistas, me fazia sentir imerso naquele universo todo. E isso já era algo indescritível – por mais deprimente que possa parecer.
E depois, já mais velho, encontrei ele entre minhas coisas. Foi um sentimento bacana de nostalgia, colocar as pilhas e vê-lo funcionando. É uma pena que logo em seguida joguei-o pela janela. Brincadeira.
Mas acho que é válido o relato para os mais jovens conhecerem uma época distante, quando nos divertíamos com sons monofônicos estridentes, imitações descaradas e mal feitas, e pistolas de plástico apontadas pra televisão. Ah, mas essa história fica pra próxima…
Bom texto, parabéns! Tive bastante BrickGame’s durante a vida. Meu jogo preferido era além do Tetris era o jogo da navinha