Enquanto alguns citam os anos 80 como uma década perdida, devido ao retrocesso e estagnação econômica de muitos países nestes anos, pode-se dizer que o mesmo não foi visto na TV. Com ótimas produções televisivas, entre novelas e programas de auditório, a década viu surgir um grande fenômeno: o palhaço Bozo. Personagem criado nos Estados Unidos na década de 40 e que fez estrondoso sucesso por lá, o Bozo foi trazido ao Brasil por uma iniciativa de Silvio Santos, que comprou os direitos para utilizar sua imagem por aqui.
Em Bingo: O Rei das Manhãs, acompanhamos a história do palhaço Bingo (Vladimir Brichta de novelas como Kubanacan e Tapas & Beijos) inspirada em um dos atores que o interpretou e toda sua luta contra as drogas, álcool e os dramas familiares enquanto tentava ser o campeão de audiência das manhãs.
O diretor Daniel Rezende – indicado ao Oscar pela edição de Cidade de Deus e conhecido por outros trabalhos como RoboCop (2014), A Árvore da Vida e Tropa de Elite – estreia em longas-metragens nesta produção que é quase uma cinebiografia.
Como os direitos do nome Bozo não poderiam ser utilizados, por ser uma marca americana, Rezende optou por contar a história de Arlindo Barreto de uma forma ficcional. Sendo assim, Arlindo virou Augusto Mendes, Bozo virou Bingo, a Rede Globo virou Mundial, o SBT (na época TVS) virou TVP, Xuxa virou Lulu, entre outros. O único nome não alterado é o de Gretchen (no filme interpretada por Emanuelle Araújo de Ó Paí, Ó), um grande ícone da época e que teve rápido relacionamento com o ator.
Tudo isso deu ao diretor liberdade para contar a história de sua forma, sem precisar se prender a fatos e podendo fazer o uso de elementos que tornam a trama mais atrativa e comercial. De qualquer forma, toda a utilização de nomes alterados ou de cenários e personagens parecidos não tiram o ar de adaptação da obra, dando ainda uma originalidade essencial.
O trunfo do filme é dosar muito bem as idas e vindas entre realidade e ficção, humor e drama, mesmo que saibamos que muito do que é visto seja exagero ou difícil de ter acontecido, tudo se encaixa perfeitamente na trama e na história do ator, que no início de carreira foi um grande astro das pornochanchadas.
É visível que a escolha de Rezende foi mostrar todos os excessos e loucuras de uma época onde a censura na televisão era quase nula. Inclusive há uma cena em que Bingo tem a ideia de trazer um elemento para o seu programa que faria a audiência alavancar: Gretchen. Tudo isso mostra que Mendes (ou Barreto) foi uma pessoa que deu uma repaginada no formato do programa, que veio praticamente “enlatado” dos Estados Unidos, ainda que a diretora do programa, vivida por Leandra Leal (O Lobo Atrás da Porta), não aprovasse parte de seus improvisos.
Com excelente dose de humor, graças ao talento de Brichta e ao ótimo texto, Rezende consegue também nos emocionar com o drama que Mendes vivia em casa. Sua mãe Marta (Ana Lúcia Torre de Os Homens São de Marte… E é pra Lá que Eu Vou!) fora uma grande atriz de novelas e estava “na geladeira”, além disso, seu filho passou a se sentir distante do pai desde que ele virara o Bingo e ficara fascinado pela “fama” que o programa lhe trouxe – ele não podia revelar sua identidade, chegando a ir a eventos trajado como palhaço, algo que também lhe incomodava.
Todo o seu envolvimento com as drogas é mostrado sem receios (algo que faltou em outra produção nacional recente: Elis), sendo assim, a coragem de Rezende é gratificante e entrega um trabalho impactante. Ainda que tenha um final exigido por Arlindo Barreto, mostrando toda sua virada na vida graças à igreja, Bingo: O Rei das Manhãs é um ótimo filme nacional que merece ser visto por quem viu toda a ascensão do Bozo.
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