A terceira temporada de Black Mirror está disponível na Netflix e o Nerd Interior já terminou de assisti-la. Vamos às considerações finais sobre a temporada, que mantém o mesmo nível das anteriores. Porém, o fator surpresa, aquele que nos deixava ansiosos por uma virada na história, acabou ficando de fora. De qualquer forma, a série segue gerando ótimas discussões.
O primeiro episódio, Queda Livre, como abordamos no review anterior, torna as redes sociais parte de nossa vida para tudo. Precisamos de notas para subir nossa média e conseguirmos um bom emprego, um bom status, uma boa casa, etc. É o episódio com a crítica mais direta à nossa sociedade atual, que tem se tornado tão refém de ser avaliada no mundo virtual e que se esconde do mundo real com sorrisos falsos e posturas superficiais, apenas em nome de uma boa avaliação dos outros. Este episódio, que conta com Bryce Dallas Howard, é um com os níveis técnicos mais apurados de toda a temporada: fotografia, figurino, atuações e roteiro, tudo está redondinho. Não à toa, foi dirigido pelo consagrado diretor Joe Wright (Orgulho e Preconceito).
O segundo episódio, Versão de Testes, dirigido por Dan Trachtenberg (Rua Cloverfield, 10), talvez seja o mais difícil da temporada de sacar qual é a crítica que traz. A história segue um aventureiro que viaja o mundo e, na Inglaterra, se torna amigo de uma jovem que conhece em um aplicativo estilo Tinder. Ao enfrentar problemas para comprar as passagens de volta pra casa, se vê obrigado a arranjar um trabalho rápido para que possa comprar as passagens. Sua nova amiga o ajuda em uma vaga de uma empresa de games bastante famosa – que ele descobre por meio de um aplicativo de empregos (como se fosse um LinkedIn) – onde receberá muito bem. O tal emprego parece ser para testar uma nova tecnologia de realidade virtual. O episódio começa pra valer quando ele entra na casa onde conhecerá o game. Até então, o episódio é bem arrastado e o personagem principal chega a ser irritante, já que tem muitas falas bobas, tentando sempre ser engraçadinho, soando bastante forçado. O episódio é um capítulo de terror na série e foge um pouco da temática, pois não traz nenhuma crítica construtiva à nossa sociedade. Talvez, a mais velada, seja o uso de uma tecnologia tão real que podemos perder o controle e gerar resultados catastróficos. Tem que ser visto para que possa ser avaliado.
O terceiro episódio, Cala a Boca e Dança, é o mais chocante dessa temporada por um simples motivo: pode acontecer com qualquer um, e o pior, acontece! Dirigido por James Watkins (A Mulher de Preto e Eden Lake) a trama acompanha um garoto que tem o seu notebook invadido por um vírus e é filmado no ato após acessar um site para maiores de 18 anos. O garoto recebe ameaças pelo seu telefone celular para seguir as ordens que lhe serão enviadas ou então, caso contrário, terá o vídeo divulgado para toda a internet. A história aqui traz à tona os justiceiros virtuais e é assustador saber que estamos suscetíveis a este tipo de ameaça a qualquer momento. É um episódio bem conduzido, criando várias situações tensas e mostrando que nem só o garoto está envolvido no esquema dos justiceiros, o que traz ainda mais um sentimento de impotência, afinal, quem se arriscaria a expor um fato que pode arruinar tanto sua carreira quanto sua vida? O final é arrebatador.
O quarto episódio, San Junipero, dirigido por Owen Harris – de Be Right Back, da temporada 2 – outro bastante aclamado, se desenvolve nos anos 80 e sou suspeito para falar dele, pois sou amante incondicional dessa década. Toda a caracterização, figurino, trilha sonora, bares com fliperamas, a inocência e, ao mesmo tempo, rebeldia dos jovens está ali, muito bem ambientada. Duas garotas, Yorkie (Mackenzie Davis), tímida e reprimida sexualmente, e Kelly (Gugu Mbatha-Raw), despojada e festiva, se conhecem em um desses bares e acabam tendo um caso de uma noite só. Yorkie acaba se encantando por Kelly e no dia seguinte vai atrás dela no mesmo bar onde se conheceram, porém não a encontra. A partir daí, não vou revelar mais nada, pois a sacada do episódio é justamente descobrir onde a tecnologia avançada está e, quando descobrimos, lá para depois da metade do episódio, é bastante surpreendente. O roteiro é impecável e muito bem escrito, trazendo um dos melhores finais de toda a temporada. Não tem uma grande crítica à nossa sociedade, é muito mais uma avaliação sobre as duas garotas que viverão um dilema mais adiante. Vale muito a pena assistir.
O quinto episódio, Engenharia Reversa, dirigido pelo desconhecido Jakob Verbruggen é uma ótima crítica sobre como a tecnologia pode ser realmente destrutiva quando aliada ao poderio bélico de um país. Um soldado novato sai em sua primeira batalha em um mundo pós-apocalíptico, onde baratas (seres humanos deformados) são caçados. Ele faz suas primeiras vítimas logo de cara e é ovacionado por tal feito. Só que, a partir daí, começa a sentir certas alterações em sua visão e em seu estado emocional, o que o leva a fazer certos julgamentos acerca do que está acontecendo com ele. O plot twist pode ser bastante óbvio para alguns – que já estão acostumados com essa marca da série -, mesmo assim, é uma reviravolta que nos dá raiva e gera certa repulsa ao analisarmos como o sistema pode nos manipular. É um dos episódios mais pesados da temporada, que traz outro final que nos desconstrói e nos deixa pensando: o que eu faria?
O sexto e último episódio da temporada, Odiados pela Nação, dirigido por James Hawes (que dirigiu alguns episódios de Penny Dreadful e Doctor Who) é o mais “perdido” de toda a temporada. As abelhas foram extintas e são criadas abelhas-robôs para fazer o trabalho que elas faziam. Uma detetive e sua ajudante descobrem que algumas dessas abelhas-robôs estão envolvidas em uma trama muito maior do que se possa imaginar, uma tragédia virtual que utiliza a hashtag #MorteA para determinar que as pessoas mais citadas em uma rede social estilo Twitter devem morrer. A trama tenta falar sobre vários temas como espionagem, justiça cega, haters virtuais, massa de manobra, porém, acaba não focando em nenhum desses, deixando a trama muito confusa ao tentarmos entender o que se passa com o sistema que controla as abelhas-robôs e nos dando conclusões que são óbvias para uma ajudante que apareceu do nada. O episódio é o mais longo de toda a temporada, tem 1h30 de duração, o que garante uma característica de filme feito para a TV. Assim, não é um episódio tão versátil como a série costuma ter e se alonga demais, sem conseguir se desenvolver tão bem, com muitas pontas soltas e um final pouco satisfatório.
Black Mirror entrega em sua terceira temporada mais reflexões sobre a índole e natureza humana. Como podemos ser tão manipulados ou manipuladores por meio da tecnologia? O saldo dessa temporada é bastante positivo, com pelo menos quatro episódios onde a crítica a nós mesmos é completamente atual e em pelo menos um episódio (Cala a Boca e Dança) já podemos vivenciar tudo aquilo que acontece, o que nos deixa apavorados.
Os episódios acabam tendo uma semelhança sutil, mas que pode ser o cerne dessa temporada, todos os personagens tentam esconder ou fugir de algo. No episódio 1, a garota fútil tem um passado com a amiga que a convida para o casamento e tenta fugir de sua vida atual para uma melhor avaliada, no episódio 2 o aventureiro esconde algo de seu passado com a mãe e viaja pra fugir desta lembrança, no episódio 3 o garoto esconde o que fez na internet e sai em fuga para se salvar, no episódio 4 a garota tímida esconde suas escolhas sexuais e sua amada opta por sempre fugir, no episódio 5 mais pro final o soldado opta por esconder algo e no episódio 6 as pessoas fogem das abelhas e há algo escondido de todos que é descoberto depois. Pode estar aí uma sacada dos criadores da série ou pode ser apenas uma teoria, mas que também abre um leque de opções e gera boas discussões.
E você, já assistiu todos os episódios dessa terceira temporada? Então comenta e vamos debater!
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