Em uma andança por alguma das grandes lojas de departamento brasileiras, você já deve ter se pego revirando uma prateleira de DVDs em promoção. Bom, isso se você sabe o que é um DVD… Mas enfim: durante esta peregrinação, muito provavelmente você já se deparou com alguns títulos, no mínimo, inusitados.
Ratatoing, Carrinhos, Ursinho da Pesada e Abelhinhas pareciam bem semelhantes a títulos lançados por gigantes como Disney Pixar e Dreamworks. Porém, tratam-se de obras brasileiras produzidas pela VideoBrinquedo, empresa que, inclusive, foi acusada de clonar as produções americanas. No entanto, é realmente assim que a empresa trabalha?
Para esclarecer essas e outras dúvidas, decidimos bater um papo com Marco Botana, diretor da VideoBrinquedo, que muito gentilmente nos concedeu esta entrevista. Vem conferir!
Nerd Interior – A VideoBrinquedo nasceu em 94, como distribuidora de filmes. Depois de um tempo, passou a produzir os próprios longas-metragens de animação. Como e porque se deu essa transição, e em que ano ela ocorreu?
Marco Botana – A VideoBrinquedo, até 2000, comprava direitos de produtoras de animação, geralmente dos USA e Canadá e lançava em VHS; e depois de 2003, em DVD. No início de 2001, começamos a fazer testes produzindo conteúdo de animação com vídeos de aproximadamente 20 minutos (Mike Ensina Inglês e A Lebre e a Tartaruga) e colocamos à venda. Porém, o resultado foi bem fraco: as lojas achavam muito curto e muitas vezes nem compravam para experimentar. Em 2003, fizemos um vídeo mais longo, de 45 minutos. A venda de Chapeuzinho Vermelho foi bem legal, então passamos a fazer alguns clássicos, mas sempre misturado com distribuição de produtos de outras produtoras.
NI – Depois de trabalhar com o 2D, a VideoBrinquedo começou a produzir animações em 3D. Foi para seguir uma tendência crescente no mercado, ou houve algum outro motivo para essa mudança?
MB – Estávamos fazendo testes em 3D, mas estava difícil e era caro, até que um parceiro nosso conheceu uma pessoa que entendia bem da tecnologia. Foi na época que estávamos distribuindo um DVD em 3D chamado Reino Submarino (origem americana). Conseguimos uma graninha e fizemos Os Carrinhos – A Grande Corrida, que tem 40 minutos. Vendeu muito e também foi licenciado em mais de 20 países e traduzido para mais de 12 línguas.
NI – O mercado de produção de animação infantil não é muito forte aqui no Brasil. Na época em que vocês iniciaram sua produção, foi difícil encontrar mão de obra qualificada e acesso às tecnologias suficientes?
MB – Sim, foi muito difícil, porém o Brasil sempre teve ótimos ilustradores. O problema é que sempre fizemos nossos produtos com recursos próprios, sem nenhum incentivo e nunca tínhamos vendido uma licença para outro país. Então qualquer produto tinha que ser pago com a venda no varejo, o que é muito difícil.
NI – Houve uma época em que o próprio Ministério da Cultura chegou a publicar uma notícia sobre a VideoBrinquedo. Já houve algum outro tipo de incentivo por parte do poder público para vocês?
MB – Não, nós nunca obtivemos nenhum dinheiro de incentivo à cultura ou fomento para produção de obras de animação, nosso foco sempre foi varejo. Com o desaparecimento da venda física (do DVD) ficou muito mais difícil a produção sem incentivos, porém continuamos tentando.
NI – Alguns títulos da VideoBrinquedo geraram certa controvérsia, por conta da similaridade com outros títulos de produtoras como Pixar e DreamWorks. Já houve algum problema judicial envolvendo alguma de suas produções, nesse sentido?
MB – Nunca, até porque nunca copiamos ninguém, quando uma empresa de fora lança um filme de uma certa tendência (por exemplo, Madagascar), quase todos os estúdios lançam filmes sobre o mesmo tema. Lembra da época que lançaram acho que uns quatro filmes de animação de Pinguim? E no mar? Procurando Nemo, O Espanta Tubarões, entre outros. Mas este tipo de animação de tendência é um passado distante da VideoBrinquedo. O foco atual são animações autorais e educativas. Vocês podem ver isso no nosso Canal no Youtube.
NI – Como vocês lidavam com as críticas negativas acerca de seu trabalho? Alguns sites internacionais acabaram falando mal das produções da VideoBrinquedo. Elas ainda existem?
MB – Veja, nós só fazíamos desenhos direct to video, ou seja, a única forma de rentabilizar uma produção era vendendo DVD no varejo e, salvo alguns títulos, o mercado era o do Brasil. Os sites, principalmente americanos, ficaram muito bravos porque uma empresa que licenciou Carrinhos conseguiu uma grande parceria com o Walmart e parece que lá tem uma espécie de competição entre vendedores, com um zombando o outro. Teve também um episódio de O Incrível Mundo de Gumball, do Cartoon Network, que fez uma brincadeira com a VideoBrinquedo, e acabou fazendo muito barulho. Mas isso foi em 2006.
NI – Tem muita gente que trata a VideoBrinquedo – e a semelhança de suas obras com outras já existentes – como uma grande brincadeira. Vocês também encaram dessa maneira? Acreditam que as pessoas que acham que a VideoBrinquedo faz uma “zoeira” com as produções originais ajuda ou atrapalha a imagem da empresa?
MB – Para nós, isso é passado, temos muitas produções novas. Várias séries. As crianças nos apoiam. Temos mais de 400 mil inscritos no nosso Canal no YouTube e olha que as crianças na faixa etária de 2 a 6 anos não costumam se inscrever. São mais de 150 milhões de views. É engraçado comparar nossos desenhos com Pixar ou Sony, nossas histórias são bem simples, voltadas para uma faixa etária bem menor. E acredite, existem até hoje pessoas que têm condições de se informar e me perguntam se Cinderela não é da Disney e como eu posso fazer Os Três Porquinhos? São obras de origem europeia, muito mais antigas que os estúdios famosos, boa parte é do século XVIII. Tem gente que acha que a Rapunzel foi escrita originalmente por Walt Disney. Até O Rei Leão (que nós não fizemos nossa versão) foi baseado no conto japonês Kimba o Leão Branco. É preciso estudar escritores como os Irmãos Grimm, Esopo, Jacobs, ente outros.
NI – É possível notar que há um bom tempo a VideoBrinquedo mudou seu foco, dando mais atenção a conteúdos educativos. Há quanto tempo se deu essa mudança e por quê?
MB – Na verdade, a VideoBrinquedo sempre fez conteúdo educativo, nossa primeira produção foi Mike Ensina Inglês. O que acontece é que no varejo não havia espaço para educacional, agora com a internet é mais democrático. Nosso conteúdo feito para ajudar na educação está aparecendo muito e estamos gostando do feedback que pais e professores estão nos dando.
NI – Qual foi o produto de mais sucesso lançado pela empresa?
MB – No varejo, Os Carrinhos. Na internet, as Histórias Clássicas e principalmente os educacionais, que fazem parte de uma série chamada Crianças Inteligentes.
NI – Existem projetos ou planos futuros para a marca? Há mais alguma “adaptação” de algum título internacional em vista?
MB – Estamos produzindo bastante educacional. E apesar de ser muito difícil produzir títulos com média duração só para internet, aos poucos estamos produzindo clássicos com uma linguagem diferente, mais ligada à realidade dessa nova geração. Estamos em negociação com outras empresas de animação e vamos seguir apostando no segmento de educação. Em breve, vamos ter muitas novidades.
NI – Como foi a recepção, em geral, no mercado internacional sobre suas produções? São bem vendidas lá também?
MB – Hoje, nós estamos dublando alguns títulos para inglês e espanhol, mas o foco ainda é no Brasil. Mesmo quem assiste nosso conteúdo em outros países (em torno de 8% da audiência), assiste na maioria em português. Provavelmente são brasileiros ou seus filhos que moram no exterior. Mas, em breve, vamos colocar nosso conteúdo em pelo menos três línguas, isso já faz parte das novas negociações.
NI – Como vocês enxergam o mercado de produção de animação infantil no Brasil hoje em dia?
MB – O mercado está com produtos de muita qualidade, oriundo provavelmente do apoio que o governo até então deu para alguns produtores brasileiros. Claro que a roda tem que girar, espero que estas produtoras consigam continuar o trabalho que tem feito, sem precisar necessariamente do apoio financeiro do Estado. Fazer animação é caro e o retorno é lento, porém as crianças continuam nascendo e gostam de desenhos animados.
NI – Acredita que a imagem da empresa ainda está muito atrelada àquela de que faz apenas “versões” de outras obras?
MB – Nos últimos dois anos, 90% da nossa audiência vem de desenhos clássicos e educativos. Recebemos todos os dias dezenas de comentários nos incentivando a continuar com nossos desenhos, e isto nos anima a continuar a trabalhar. São emocionantes alguns depoimentos de pessoas que, de alguma forma, foram ajudadas pelo nosso conteúdo. Apesar do retorno financeiro não ser tão grande, dá muito prazer trabalhar na área de educação, música e animação.
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