Paulo Gustavo (1978-2021)

Não sou grande fã de Paulo Gustavo, mas é inegável sua importância para o humor e para o cinema brasileiro, ainda mais no cenário de desmonte do governo Jair Bolsonaro, que só tem paralelo com Fernando Collor de Mello. Seu falecimento após semanas de luta contra a Covid-19 nesta terça, dia 4, é uma perda enorme e deixa este país, tão enlutado por tantas mortes, ainda mais triste.

Grandes comediantes sempre foram locomotivas da indústria cinematográfica nacional, começando lá atrás, com as chanchadas de Oscarito, Zé Trindade e seguido pelo caipira Amácio Mazzaropi.

Nos anos 60, o humor migrou para a televisão, com Ronald Golias, Zé Vasconcellos, e na década seguinte com Chico Anysio e Jô Soares. Na virada dos anos 70 para 80, surge o fenômeno Trapalhões, cujo líder, Renato Aragão, retomou a tradição humorística no cinema, primeiro com seu Didi acompanhado somente com o “escadeiro” Dedé e mais tarde trazendo também Mussum e Zacarias.

Paulo Gustavo vem de uma trajetória diferente, primeiro no teatro, onde cria sua Dona Hermínia, que leva para a tela grande em Minha Mãe é uma Peça (2013), uma extensão de seu espetáculo-solo nos palcos. Se seus antecessores viraram atração das TVs abertas, ele fez uma parceria de sucesso no canal pago Multishow, primeiro com 220 Volts, depois com Vai que Cola e A Vila. Vai deixar um buraco imenso na programação.

De volta aos cinemas, Minha Mãe é uma Peça rendeu duas continuações, em 2016 e 2019, e vendeu 26 milhões de ingressos. O terceiro filme tornou-se campeão absoluto de bilheteria, com arrecadação de R$ 182 milhões. Isso sem contar a força que dava aos amigos, como Mônica Martelli em suas incursões por Marte e a trupe do Vai que Cola.

O cinema não é feito só de Bacuraus: sem campeões de bilheteria que movimentem a indústria, não há como concorrer com os blockbusters americanos e os profissionais ficam sem trabalho.

Novos tempos, novo humor, novas atitudes

As supracitadas referências da comédia nas décadas passadas viveram o auge e a decadência que vem com a idade (menos Jô Soares, que imitou Johnny Carson e Groucho Marx e foi para o talk show).

Humor, especialmente o popular, anda em sintonia com seu tempo, e Paulo Gustavo não só percebeu isso, como marcou seu território, fazendo que seus personagens não caíssem simplesmente no estereótipo da bicha desloucada. Seu maior sucesso era se travestir como uma versão exagerada da própria mãe. Mais gay, impossível.

Em outros tempos, muitos artistas homossexuais tinham que ficar dentro de seus armários, ou serem muito discretos. Mesmo hoje, isso ainda acontece. Paulo Gustavo fez de seu casamento com o médico Thales Bretas um acontecimento público, assim como a paternidade de seus gêmeos Romeu e Gael.

Não eram bandeiras levantadas, mas uma atitude pessoal ancorada por sua popularidade e poder na mídia. Considerando o Brasil intransigente que deu as caras a partir de 2018, não é pouca coisa.

Marcos Kimura http://www.nerdinterior.com.br

Marcos Kimura é jornalista cultural há 25 anos, mas aficionado de filmes e quadrinhos há muito mais tempo. Foi programador do Cineclube Oscarito, em São Paulo, e técnico de Cinema e Histórias em Quadrinhos na Oficina Cultural Oswald de Andrade, da Secretaria de Estado da Cultura.

Programa o Cineclube Indaiatuba, que funciona no Topázio Cinemas do Shopping Jaraguá duas vezes por mês.

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