Reza a lenda que em 30 de janeiro de 1869, Angelo Agostini, um desenhista ítalo-brasileiro radicado no Brasil, publicou a revista A Vida Fluminense com aquela que é considerada a primeira história em quadrinhos do Brasil: As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de Uma Viagem à Corte.
Nhô Quim era um caipira que mudara-se para a cidade do Rio de Janeiro e precisa se acostumar aos tons daquela nova realidade, ainda uma mistura rural e urbana, em uma caricatura dos costumes da época. Isso mesmo, o primeiro grande personagem das HQs nacionais era um caipira.
Sem querer puxar sardinha para o nosso lado, de quem mora e consome quadrinhos no interior paulista – onde a pronúncia do R ganha tons particulares -, mas me parece salutar que o caipira seja o primeiro grande herói dos brasileiros.
Em um país de proporções continentais, que abriga o pulmão do mundo (tão judiado nas últimas décadas), cabe àquele que sabe o valor da terra, a sua defesa. Oras, temos outros grandes exemplos por aí, como Amácio Mazzaroppi (1912-1981) e Chico Bento, criação de Maurício de Sousa em 1961 e hoje nas telonas de todo Brasil (assistam!).
Porém, o caipira logo se tornaria ‘fora de moda’, algo arcaico, um cacareco. Mas nunca seria descartado, vale destacar. A herança cultural de um povo se estabelece de diversas maneiras, com cada região do Brasil fazendo-se representada por seu próprio caipira.
Experiência
Feita a devida homenagem às suas origens, não quero aqui explanar sobre a história dos Quadrinhos Nacionais. Temos gente muito mais qualificada para tratar o tema, basta conferir o Universo HQ, por exemplo, e tantas outras publicações disponíveis na grande rede atualmente.
Quero aqui apenas deixar claro meu amor pela Nona Arte, especialmente a produzida no Brasil, que mudou minha vida. É verdade. Quando ainda criança, em processo de alfabetização, passava em frente às bancas e via os gibis como um tesouro a ser conquistado. E me esforçava em dobro para começar a ler o quanto antes.
E assim foi. Daí era importunar pai, mãe, tia, tio, amigos, vizinhos, para conseguir um gibi ainda não lido, fosse ele novo ou não. Cânones, multiversos, cronologias não eram importantes. As histórias, simples e quase sempre fechadas em sua própria narrativa, já bastavam.
Assim vieram Ziraldo e Turma da Mônica, principalmente, além dos gibis do Tio Patinhas, Pato Donald e Mickey em seus Almanaque Disney, todos repletos de grandes histórias. Abasteci o caixa da Editora Abril por um bom tempo.
Valor
À época, meu falecido pai possuía um mercado, destes de bairro, e desde cedo aprendi a dar valor ao dinheiro. Sim, trabalhava desde criança, sem medo de perder a infância, pois havia equilíbrio – algo cada vez mais raro. Eu disse ‘valor ao dinheiro’, certo? Pois bem, foram milhares de investimentos em gibis.
Se eu tivesse guardado toda esta grana, talvez estivesse milionário (exagero). Talvez tivesse algo que hoje não tenho. Mas o que os gibis me deram, e que trago até hoje comigo, não há preço que pague. Pois não se quantifica tudo que li, vivi, sonhei e imaginei, por conta destes quadrinhos.
Hoje, muita coisa mudou neste mercado. Os heróis dominam, mas as crianças ainda estão representadas. A cultura oriental se estabeleceu e os mangás são um enorme sucesso. Os talentos brasileiros estabeleceram-se com louvor pelas grandes editoras e comandam heróis antes inalcançáveis.
Mas também temos as editoras independentes e que lutam em prol das histórias que precisam ser contadas. A batalha é difícil, mas estes talentos persistem e isso mantém todo encantamento. Oras, se não estou sozinho nesta paixão, quer dizer que há muito ainda a ser contado e desenhado por todo Brasil.
Não irei nominar aqui autores e artistas incríveis que conheci nas últimas décadas. Muitos deles, pessoalmente. Mas sou grato a todos, por continuarem lutando pelos Quadrinhos Nacionais. A criança que vive em mim agradece a oportunidade de continuar passando nas bancas e se encantando. E agora, de passar tudo isso para o meu filho.
Oras, se os heróis mudaram, a batalha continua a mesma: manter-se são em um mundo que exige, mas que devolve tantas agruras das mais diferentes maneiras. A arte é um destes remédios. Os quadrinhos, uma pílula. Permita-se encantar. Permita-se viver aventuras das quais sempre irá se lembrar.
Desde 1984, o 30 de janeiro tornou-se Dia do Quadrinho Nacional, criação da Associação dos Quadrinistas e Caricaturistas do Estado de São Paulo. E não há um dia sequer que eu me esqueça dele… o gibi. Obrigado por tudo!
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