4 out 2025, sáb

Desde que soube da morte de Luis Fernando Veríssimo, no sábado (30 de agosto) pela manhã, andei pensando em escrever um obituário. Afinal, ele e Paulo Francis foram as maiores influências que tive na escrita.

Mas dizer o quê, uma vez que elegias muito boas já estavam saindo na imprensa – como o de Luis Augusto Fisher, para a Folha de S. Paulo – ou até a singela confissão do comediante Afonso Padilha, que confessou que descobrir a leitura por meio de Veríssimo mudou sua vida de verdade… em um post no Instagram.

Mas depois de assistir o espaço dedicado ao escritor no Fantástico, restringindo a homenagem à Comédia da Vida Privada, que foi exibido por três anos na década de 1990, para dar lugar aos 30 anos de carreira de Joelma, me veio a motivação.

Não que o sucesso da rainha do Calypso seja indigno de dividir o bloco com Luis Fernando Veríssimo (well…), mas o fato é que a revista semanal da Globo tratou seu antigo colaborador como notícia velha. Nem mencionaram o fato de que ele era um dos redatores da revolucionária TV Pirata. Foi muito menos tempo que o dedicado à Preta Gil (de novo, well…).

Maçaneta

Descobri Luís Fernando Veríssimo na revista Homem, que foi uma pré-Playboy da Abril. Era um conto que tinha algum humor, mas ainda não era o mestre que se revelaria mais tarde. Isso se revelaria para mim quando um livro chamado A Mesa Voadora caiu na minha mão.

Eram crônicas sobre viagens e comida, que foi distribuído como brinde para clientes da agência de publicidade em que ele trabalhava em Porto Alegre, e que foi publicada e ampliada para o público em geral pela Objetiva, em 1994.

Num desses textos, ele descreve uma ida a Rouanne só para conhecer o Troisgros, restaurante com três estrelas Michelin, fundado pelo avô do nosso Claude, “nem que fosse para passar a mão na maçaneta”.

Mesmo ainda não sendo o best-seller que se tornaria, ele e sua mulher Lúcia – que como carioca da gema, olhava com desprezo para as praias de pedra da Côte D’Azur – entraram e pediram o menu mais em conta. Sobre a comida, ele antes pedia licença ao leitor para enxugar uma lágrima saudosa que surgiu misteriosamente no canto da boca.

Muquifo

Anos mais tarde, entraria num muquifo em Paris, onde encontrou Rick Blaine (Humphrey Bogart) e seu inseparável Sam, anos depois de deixarem Casablanca para os nazistas. Ele faz a pergunta que não quer calar: porque ele não apenas deixou que Ilsa partisse com o marido, como ainda livrou a cara dela no aeroporto?

“Lembra do rosto dela naquela hora?”. Sim, mesmo em meio ao nevoeiro, ele se lembrava. Por um rosto daqueles, a gente sacrifica até a falta de ideais.

A partir de 1986, Veríssimo passou a colaborar regularmente para a Playboy, especialmente cobrindo Copas do Mundo. Nesta, em particular, ele disse que se colocassem as medidas de Diego  Armando Maradona num computador e perguntasse em que posição ele jogaria, a resposta provavelmente seria: “gandula”.

A beleza feminina também o fascinava. Os mais jovens lembram-se de sua admiração por Patrícia Poeta, desde seus tempos de garota do tempo, criando uma imaginária Associação do Adoradores de Patrícia Poeta.

Mas Veríssimo também tinha outra Patrícia como musa, a Pillar, incluída nas melhores coisas do mundo, junto com pudim de laranja, gol do Internacional e a neta (nosso Antonio da Cunha Penna compartilha o fato de ter sido avô tardio e adorava a crônica Os Sem Neto).

Beleza da mulher também podia ser metafísica, como sua afirmação de ceticismo: “Não acredito em nada que não possa tocar, cheirar ou morder. Não acredito na Luiza Brunet, por exemplo”.

O Analista de Bagé surgiu na época em que eu cursava Psicologia na USP, e como o terapeuta dos pampas, me considerava mais ortodoxo que caixa de maisena. Veríssimo, um gentleman criado nas tradições machistas do Rio Grande – ninguém precisa acrescentar “do Sul” por lá – fazia retratos ótimos de uma espécie que ele julgava em extinção, mas infelizmente, não.

Seu texto Homem que é Homem terminava com os últimos HQEH se encontrando em reuniões secretas, mas não muito constantes para não parecer coisa de viado. Hoje em dia, eles cagam regra nas redes sociais sobre como ser Homem que é Homem, matam, agridem e estupram mulheres e sobem morros em grupos alegres e felizes como aqueles caubóis do filme…epa!

Todas essas referências eu tirei direto da memória, então sujeito às peças que o cérebro comete com o passar dos anos. O que espero ser indelével é minha admiração pelo mestre, cujo maior ensinamento é que escrever um texto de leitura fácil – e prazeirosa – é jeito difícil. Mas inspira muitos de nós a pelo menos tentar.

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