Artigo | Jerry Lewis, gigante da comédia

Jerry Lewis morreu no último domingo, dia 20, aos 91 anos. Numa época em que pouca gente se lembra de quando Jerry Lewis era presença constante na Sessão da Tarde, só se lembra dele como o velhinho de Até que a Sorte nos Separe 2 e que acha que O Professor Aloprado é Eddie Murphy, cabe aqui relembrar a importância do comediante.

Jerry Lewis em 'O Professor Aloprado', clássico da comédia de 1963

Joseph Levitch, seu nome verdadeiro, nasceu numa família de judeus russos, tendo como pai Daniel, mestre de cerimônias e ator de vaudeville, que se apresentava como Danny Lewis. Começou a carreira ainda criança, mas quando se encontrou com o cantor Dean Martin, os dois rapidamente de tornaram um fenômeno pop, primeiro nos palcos de Las Vegas, depois na televisão, em programa que levava o nome da pasta de dente Colgate, e finalmente em Hollywood, em 16 filmes que renderam muito dinheiro. Em 1955, um ano antes do fim da dupla, eles fazem Artistas e Modelos, que além de contar no elenco com atrizes importantes como Dorothy Malone, Anita Ekberg e uma jovem Shirley McLaine, foi dirigido por Frank Tashlin, que teria participação crucial na carreira de Lewis.

Por que os dois se separaram? Martin se ressentia de ficar restrito ao papel de bonitão cantor, enquanto Lewis tomava cada vez mais espaço em cena, e este, perfeccionista, cobrava o parceiro nem sempre em termos gentis, e por último, mas não menos importante: as respectivas esposas não se davam bem (Jerry e a mulher Patti eram muito amigos de Betty, que foi casada com Martin até 1949, e nunca aceitaram a segunda cônjuge, Jeanne).

Em carreira solo, a popularidade de Lewis não sofreu grandes danos, e seus filmes tiveram boa recepção, mas é com a volta da parceria com Frank Tashlin em Bancando a Ama Seca, de 1958 (que tem a memorável cena de Jerry satirizando o rock’n roll), que a mágica retorna. Ele estreia na direção no sensacional O Mensageiro Trapalhão, de 1960, um filme quase sem diálogos ou história, com esquetes “improvisadas” do comediante. A partir daí até 1965, Lewis passa a se alternar na direção de seus filmes com Tashlin, incluindo alguns clássicos da Sessão da Tarde como Cinderelo Sem Sapato (1960, Tashlin), O Terror das Mulheres (1961, Lewis), O Mocinho Encrenqueiro (1961, Lewis), Errado pra Cachorro (1963, Tashlin), O Otário (1964, Lewis), Bagunceiro Arrumadinho (1964, Tashlin) e Uma Família Fuleira (1965, Lewis, que interpreta sete personagens).

Mas é com O Professor Aloprado, de 1963, que ele chega à sua obra-prima. A paródia de O Médico e o Monstro é a chance de Jerry Lewis mostrar que pode ser mais do que o bobalhão infantilizado com o qual construiu sua fama. Existe a teoria, nunca confirmada, que seu Buddy Love é uma versão perversa de Dean Martin (se você assistir o longa com isso em mente é outra experiência). Outros sustentam que seria o dark side do próprio comediante. Seja como for, os dois lados do professor aloprado são composições que vão além da mera caricatura, que tornam o filme um clássico da comédia americana.

A partir de 65, com o fim da parceria com Tashlin, a carreira de Lewis começa a declinar para praticamente estagnar na década de 70. Em 1972, ele realiza The Day the Clown Cried (sem título em português), que planejou como uma redenção, após anos de péssimas críticas e bilheterias, e acabou engavetando por não ficar satisfeito com o resultado. Curiosamente, o argumento lembra A Vida é Bela, que transformou Roberto Benigni numa estrela internacional (felizmente, por pouco tempo).

A essa altura, considerado ultrapassado por seus conterrâneos, mas tendo status de gênio entre os europeus, principalmente os franceses, surge a piada recorrente de que ele só seria querido na França. Em 1980, Lewis retorna à direção e atuação com Um Trapalhão Mandando Brasa, outro fracasso, mas a década só é digna de lembrança em sua carreira por causa de O Rei da Comédia, de 1982, em que ele é dirigido por Martin Scorcese e contracena com Robert De Niro. Seu papel como um amargo e desagradável veterano do show business é um soco no estômago para quem se acostumou com sua persona cinematográfica, é diretamente responsável pelo filme naufragar na bilheteria (quem quer ver um palhaço triste?) e um dos fatores que elevou a produção à condição de cult, junto com a interpretação de De Niro, que o próprio Scorcese considera a melhor de toda a parceria entre os dois. Lewis chegou a se surpreender quando sua atuação foi elogiada, dizendo que apenas foi ele mesmo em cena.

Seu último trabalho na direção no cinema foi Cracking Up – As Loucuras de Jerry Lewis, de 1983, e sua última atuação como protagonista foi em Max Rose, de 2013, mesmo ano em que fez a participação especial em Até que a Sorte nos Separe 2, em que foi convidado por causa da admiração de Leandro Hassum, que como muito de nós, brasileiros, cresceu vendo seus filmes.

Não é só o óbvio Jim Carrey que deve muito a Jerry Lewis. Sem mencionar que ele foi cogitado para o Prêmio Nobel por causa de sua participação no Teleton americano durante décadas. Que eu me lembre, apenas Robin Wiliams chegava perto de sua energia em cena, sendo que muitas vezes ele mesmo se dirigia.

O grande clown do cinema já havia se ido há anos, mas sua morte pode provocar uma reavaliação de sua obra como um todo, do palhaço genial ao diretor criativo e detalhista, especialmente entre os americanos. Brasileiros e franceses sempre o amaram, agora, quem sabe, ele volte a ganhar os corações de seus próprios compatriotas.

Marcos Kimura http://www.nerdinterior.com.br

Marcos Kimura é jornalista cultural há 25 anos, mas aficionado de filmes e quadrinhos há muito mais tempo. Foi programador do Cineclube Oscarito, em São Paulo, e técnico de Cinema e Histórias em Quadrinhos na Oficina Cultural Oswald de Andrade, da Secretaria de Estado da Cultura.

Programa o Cineclube Indaiatuba, que funciona no Topázio Cinemas do Shopping Jaraguá duas vezes por mês.

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