Review | Nico, 1988

Cinebiografias de músicos costumam ser um deleite para os fãs, principalmente aqueles do rock’n’roll, justamente pela capacidade que o cinema tem de reproduzir o lado obscuro e mais íntimo destes grandes astros. Numa época onde as mulheres ganham cada vez mais espaço e prestígio, é natural que a cinebiografia de Nico seja dirigida por uma mulher e esta trate a personagem com tanta força.

Porém, a força de Nico, 1988 está em Trine Dyrholm (Em Um Mundo Melhor). Se não fosse por ela, o longa seria quase que intragável.

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Se Dyrholm não se assemelha fisicamente à Nico original, o poder de sua voz nas canções é de arrepiar o espectador. A atriz dinamarquesa empresta sua voz em músicas como All Tomorrow’s PartiesMy Heart is Empty sem tentar imitar Nico e esse show de interpretação é o que faz valer a hora e meia de filme.

As canções sombrias e depressivas de Nico ajudam a dar tom à vida decadente da protagonista. Mérito da diretora Susanna Nicchiarelli (Cosmonauta), que consegue transpassar a sensação de vazio que Nico tinha ao se ver longe do filho Ari (Sandor Funtek, de Azul é a Cor Mais Quente).

Nico foi cantora, modelo, atriz e compositora, mas é mais conhecida por ter sido integrante da banda The Velvet Underground, especificamente no período em que Andy Warhol foi empresário do grupo e ordenou que Nico, então sua musa, fosse a vocalista. Com a saída de Warhol, Nico foi expulsa.

Porém o foco de Nico, 1988 não é esse – apesar de alguns flashes turvos e borrados de um passado que ainda se reflete na Nico de 20 anos depois. A história se concentra nos três últimos anos da vida de Nico, gastando todo seu combustível no ano de 86, e fazendo de 87 e 88 dois anos que passam voando e com muito pouco a ser absorvido pelo espectador.

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Entretanto, reservo um porém: pouco se fala sobre os homens da vida de Nico. É notável que Nicchiarelli evite citá-los num filme que se resume a falar sobre Nico – a própria cena de abertura deixa isso claro, quando Nico nega o título de femme fatale de um deles. Mas é perceptível que há algo no passado de Nico que a deixara tão amargurada. Não seria o tratamento que recebera destes? Esta abnegação torna Nico uma espécie de culpada pelas próprias mazelas.

Diferente de outras cinebiografias de músicos envolvidos com drogas e sexo – algo comum e corriqueiro aos astros do rock na década de 60 – evita-se mostrar Nico afundada em drogas ou praticando sexo de modo libertino. As intenções de Nicchiarelli ficam claras na primeira parte do longa – ao mostrar uma Nico tentando recuperar o tempo perdido com o filho enquanto tenta amadurecer na carreira solo – mas é pena que em 87, numa cena muito breve, e em 88, a história não avance e não traga grandes conflitos.

Acaba que Nico, 1988 é um filme apenas razoável por se repetir demais justamente nos momentos em que deveria ter mais força, ao ilustrar o fim de uma carreira e de uma vida de transtornos de alguém nada apático como o roteiro é, em seu ato final.

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Angelo Cordeiro

Paulistano do bairro de Interlagos e fanático por Fórmula 1. Cinéfilo com obsessão por listas e tops, já viram Alta Fidelidade? Exatamente, estilo Rob Gordon. Tem três cães: Johnny, Dee Dee e Joey, qualquer semelhança com os Ramones não é mera coincidência, afinal é amante do bom e velho rock'n'roll. Adora viajar, mas nunca viaja. Adora futebol, mas não joga. Adora Scarlett Johansson, mas ainda não se conhecem. Ainda.

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