O assunto mais falado desde a madrugada desta segunda-feira foi o Oscar 2022, não por razões cinematográficas, mas pelo tapa de Will Smith em Chris Rock em plena cerimônia transmitida para o mundo inteiro. Mas, apesar do climão que se instalou, para mim o pior momento foi o anúncio do melhor filme, No Ritmo do Coração.
Após dois anos consagrando a arte e ousadia, com o coreano Parasita quebrando paradigmas em 2020 e Nomadland no ano passado premiando a segunda diretora mulher e a primeira não-caucasiana, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas optou pela mediocridade em detrimento à qualidade.
O momento mais próximo talvez tenha sido em 2006, quando Crash: No Limite venceu Brokeback Mountain (com o qual Ataque dos Cães tem sido erroneamente comparado) na corrida pela estatueta dourada. O filme de Ang Lee havia levado todas as premiações de temporada até então e o cineasta taiwanês, como Jane Campion, levou o Oscar de Direção.
Tudo leva a crer que faltou coragem à comunidade de Hollywood, que compõe os eleitores do prêmio, em escolher uma história de amor entre homens a um desajeitado e pretensioso libelo anti-racista.
Há um precedente ainda pior, em 1981, quando o drama familiar Gente como a Gente levou o Oscar junto com seu diretor, Robert Redford. Acho que até o ex-galã de Golpe de Mestre reconhece que naquele ano havia pelo menos dois trabalhos superiores: Touro Indomável e O Homem Elefante.
Posteridade é o juiz derradeiro de qualquer obra de arte. Hollywood reconheceu isso ao homenagear alguns filmes na cerimônia de domingo, como Homens Brancos Não Sabem Enterrar, Pulp Ficton e O Poderoso Chefão, o único dos três premiados com o Oscar de Melhor Filme, sendo que Homens Brancos – um cult movie nos EUA, mas não aqui – foi sequer indicado.
Dos candidatos deste ano, quais serão lembrados no futuro? Talvez Ataque dos Cães, possivelmente Duna (dependendo muito da sequência), Drive My Car quase certamente e boto minhas fichas no Amor, Sublime Amor de Steven Spielberg.
Mas aposto que No Ritmo do Coração não sobrevive ao teste do tempo. Mesmo que seja reprisado nas sessões da tarde da vida, seu habitat natural.
Sobre tapas e insultos
Quando Eddie Murphy refilmou O Professor Aloprado em 1996, ele incluiu uma cena em que seu personagem em fase Buddy Love confronta um comediante abusivo num stand-up, interpretado pelo hoje famoso David Chapelle. Era, evidentemente, uma sátira a Chris Rock, apadrinhado de Murphy, e seu humor abusivo que estava em alta na época.
Não era exatamente uma novidade no cenário americano: o veterano Don Rickles fez escola desde os anos 50 insultando a plateia com comentários sarcásticos e mesmo insultantes. Faz parte da cultura americana, muito diferente da comédia que se faz aqui, que faz graça com terceiros, mulheres, gay e nordestinos, em geral.
Esse tipo de piada não era, portanto, inesperada, e nem é das mais ofensivas do repertório de Rock – ou mesmo do que se costuma assistir no Oscar. O que nos leva a Will Smith.
O que faz um artista agir de forma tão intempestiva em sua noite de glória? A tensão da possibilidade de perder mais uma vez em sua terceira indicação (ironicamente, a primeira foi por 2001 por Ali, cinebiografia do boxeador Muhammad Ali)?
Ou a sensação de que Chris Rock estava estragando sua noite – e ele acabou fazendo pior? E ainda emendar um discurso em que se proclama defensor da família e da paz. Bizarro.
O fato é que o Oscar de Smith se deve a uma série de fatores não cinematográficos: a chance de premiar o segundo astro negro como Melhor Ator (Denzel Washington havia vencido há exatos 20 anos), o poder midiático das irmãs Williams (que, de fato, mudaram um esporte elitista como o tênis), a boa imagem que ele desfruta (ou desfrutava) no meio.
Mas nunca qualquer coisa que ele faça se aproximará da excelência de Benedict Cumberbath em Ataque dos Cães – ou qualquer papel que assuma.
Aliás, das 12 indicações do faroeste neozelandês, só a diretora Jane Campion levou. Houve boicote à Netflix? Mas No Ritmo do Coração foi adquirido pelo Apple +, embora tenha sido exibido nos cinemas americanos, como aqui, onde é exibido no Prime Video (vai entender…). Se há alguma antipatia, não é contra o streaming, que tem criado empregos para o setor audiovisual.
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