Review | A ùltima Sessão de Freud (Max)

Está disponível no Max A Última Sessão de Freud, filme do ano passado estrelado por Anthony Hopkins no papel do Pai da Psicanálise. Baseado numa peça de Michael St. Germain (que teve montagem brasileira com Odilon Wagner) e dirigido por Matt Brown (O Homem que viu o Infinito), o longa se passa em setembro de 1939, quando Hitler invade a Polônia e Freud vive seus últimos dias exilado na Inglaterra. Nesse contexto, ele recebe a visita do professor C. S. Lewis (Matthew Goode, de Downton Abbey e Watchmen), o autor de Crônicas de Nárnia e apologista cristão que ficaria famoso por suas palestras durante a II Guerra Mundial.

O encontro fictício gera um debate sobre a existência de Deus, defendida por Lewis e, para Freud, uma neurose coletiva. Confesso que a dramaturgia em si, não me convenceu, talvez por conta da direção de Brown, mas o mais interessante são a incongruências entre suas teses e suas vidas pessoais. Lewis advogava a favor do casamento convencional das religiões judaico-cristãs, mas viveu sem casar com a mãe de um companheiro de trincheiras morto na I Guerra Mundial até a morte dela (sua própria genitora morreu quando ele era muito jovem, e seu pai imediatamente o enviou para um internato, mas nosso Freud não cutuca demais essa ferida, embora a ligação entre os eventos seja uma obviedade psicanalítica).

Mas um conhecido deslize do autor do complexo de Édipo é mais desenvolvido: a relação com a filha Anna (Lisa Liv Fries), a quem ele mesmo analisou (o próprio Freud proibiu, com razão, que parentes ou pessoas próximas fossem atendidas pelos psicanalistas) e interferiu na vida amorosa, incluindo proposta vindo de Ernest Jones (Jeremy Northan, de The Crown), seu principal discípulo inglês e autor de sua primeira biografia. Mas as preocupações do velho Sigmund eram vãs, já que àquela altura Anna já se relacionava com a também analista Dorothy Burlingham (Jodi Balfour, a presidente “no armário” de For All Mankind), com quem viveu até falecer em 1982. O roteiro supõe uma objeção do pai ao relacionamento homoafetivo da filha, mas Dorothy recebe apenas quatro citações em Freud – Uma Vida para Nosso Tempo, até onde sei, a mais completa biografia do descobridor do inconsciente, e não há indicação que ele sabia do romance entre as duas.

Aliás, tem uma passagem da infância meio supervalorizada no roteiro, que é uma babá católica que teria introduzido o pequeno judeu Freud aos santos e ritos católicos. No filme, ela foi demitida quando o pai viu o filho fazendo o sinal da cruz, mas segundo Peter Gay, foi o irmão mais velho a denunciou por roubo e ela foi presa pela polícia. A biografia dá mais importância à ama-seca como substituta da mãe (que estava em puerpério) do que catequizadora católica do menino.

Essas curiosidades da vida de Freud acabam sendo o que mais de interessante A Última Sessão se Freud tem a oferecer. No fim das contas, o debate sobre Deus fica em segundo plano em relação às imperfeições e contradições humanas, o que, hoje, em tempos de cancelamentos arbitrários, deveria servir de alguma coisa, mas eu duvido.

 

 

 

 

Marcos Kimura http://www.nerdinterior.com.br

Marcos Kimura é jornalista cultural há 25 anos, mas aficionado de filmes e quadrinhos há muito mais tempo. Foi programador do Cineclube Oscarito, em São Paulo, e técnico de Cinema e Histórias em Quadrinhos na Oficina Cultural Oswald de Andrade, da Secretaria de Estado da Cultura.

Programa o Cineclube Indaiatuba, que funciona no Topázio Cinemas do Shopping Jaraguá duas vezes por mês.

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