Review | Ainda Estou Aqui (Cinemas)

Ainda estou aqui tem rendido dois tipos de matérias na mídia. Um são as notícias proporcionadas pela performance do filme em festivais internacionais – o prêmio de Melhor Roteiro é o maior obtido por uma produção brasileira no Festival de Veneza – e a possibilidade de entrar na lista final do Oscar de produção em Língua Não-Inglesa e de Atriz – ; o outro são as críticas, nacionais e internacionais, todas exaltando principalmente a atuação de Fernanda Torres. Os xofens não lembram, mas ela já ganhou o prêmio de Atriz em Cannes, por Eu sei que eu vou te amar, último trabalho cinematográfico de Arnaldo Jabor por muitos anos, no longínquo ano de 1986.

O filme assinado por Walter Salles é baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, sobre o que aconteceu com sua família após o sequestro e assassinato de seu pai, o ex-deputado federal Rubens Paiva, pelas mãos da ditadura militar (1964-1985). O foco é todo na mãe, esposa e viúva Eunice (Fernanda Torres), que de uma hora para outra se vê sem o marido, provedor e pai de seus cinco filhos. Ela passa dias numa cela, sob um interrogatório kafkiano, sem ter noção do que estava acontecendo. O roteiro de Murilo Hauser e Heitor Lorega dá um bom tempo de tela para o Rubens Paiva de Selton Mello, fundamental para que o público sinta tanta falta dele quanto a mulher e filhos na tela. Precisava de um ator do tamanho de Selton para funcionar.

A reconstituição dos anos 1970 é primorosa em direção de arte, figurinos, cabelo e maquiagem, mas as músicas de destacam, fugindo do obvio e localizando a família Paiva no tempo e no espaço, num Rio de Janeiro em que ainda era possível morar numa casa praticamente à beira da praia, com acesso a discos meio alternativos e até malditos (a quem interessar possa, tem uma playlist bem legal no Spotify. Para ouvir, clique aqui). Eunice, dona de casa dedicada ao lar típica da época, além da desorientação com o desaparecimento do marido, é obrigada a encarar o Brasil patriarcal e deixar sua vida idílica no Rio para se reinventar em São Paulo. Como o título de um dos trabalhos mais marcantes da cinematografia de Fernanda, “Com licença, eu vou à luta”, e Eunice voltou à faculdade e se formou em Direito.

O salto temporal para 1996 encontra Eunice já consolidada como advogada dos direitos indígenas, o filho Marcelo famoso como escritor (o acidente que o colocou numa cadeira de rodadas é citado au passant quando lhe pedem que autografe Feliz Ano Velho) e quando, afinal, sai o atestado de óbito do marido, mais de uma década depois da redemocratização. Salles e os roteiristas optam por deixar em segundo plano as mentiras do regime militar obre o destino de Rubens (chegaram a espalhar que ele fugira para Cuba, onde teria uma outra família), a tragédia do filho para centralizar da trajetória de Eunice. Por outro lado, o clima de angústia, incerteza e terror da ditadura sobre uma família e toda a sociedade brasileira é mostrado de forma magistral.

O final, com a protagonista devastada pelo Alzheimer e encarnada com a classe habitual por Fernanda Montenegro, fecha de forma poética a história de Eunice. E teve critico estrangeiro achando o maquiador fantástico, como a própria Fernanda filha conta no Instagram. Enfim, é o filme brasileiro de 2024, indo ou não para o Oscar.

 

 

 

 

 

Marcos Kimura http://www.nerdinterior.com.br

Marcos Kimura é jornalista cultural há 25 anos, mas aficionado de filmes e quadrinhos há muito mais tempo. Foi programador do Cineclube Oscarito, em São Paulo, e técnico de Cinema e Histórias em Quadrinhos na Oficina Cultural Oswald de Andrade, da Secretaria de Estado da Cultura.

Programa o Cineclube Indaiatuba, que funciona no Topázio Cinemas do Shopping Jaraguá duas vezes por mês.

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