Anora ganhou a Palma de Ouro de Cannes, principal premiação de cinema depois do Oscar, e recebeu seis indicações aos prêmios da Academia de Hollywood. É mais um grande trabalho de Sean Baker, do belo Projeto Flórida (2017), e deve consagrar Mickey Madison, merecidamente indicada ao Oscar, como estrela em ascensão.
Baker é um poeta do lado B dos Estados Unidos, seus personagens são prostitutas (Tangerina e Anora), atores pornô (Red Rocket) ou crianças de conjuntos habitacionais (Projeto Flórida).
Em Anora, a jovem protagonista é uma stripper e eventual garota de programa que atua na boate HQ, nas imediações de Brighton Beack, uma espécie de Little Russia próximo a Nova York.
É lá que ela se diverte fofocando com as amigas, seduzindo clientes e, porque não, fazendo aquela modalidade de dança erótica tipicamente americana que é o lap dance. Em contraste, a tristeza de pegar a condução até a pequena casa embaixo da linha do trem, onde mora com a irmã que não está nem aí para ela.
Um dia, o gerente lhe pede que atenda um cliente porque ela entende russo – sua avó veio de lá – e ela conhece o jovem Ivan, ou Vanya (Mark Eydelshteyn), filho de um oligarca russo, cuja única preocupação é se divertir sem pensar no amanhã e muito menos com grana.
Ele e Ani, nome de guerra adotada pela garota, se dão bem, saem para baladas, consomem quantidades industriais de champanhe e coca e, naturalmente, se relacionam com aquela disposição de dois jovens bonitos e saudáveis na casa dos 20 anos.
Numa evidente referência a Uma Linda Mulher, ele propõe comprar uma semana do tempo dela, que sai por 15 mil dólares.
Viagem
Eles então viajam a Las Vegas com amigos da comunidade de Brighton Beach, e como costuma acontecer por lá, resolvem se casar numa daquelas capelas da capital americana no jogo.
Ani chega a se despedir das amigas da HQ e parte para o que acha ser um conto de fadas. Obviamente, os pais indecentemente ricos de Vanya não aprovam o matrimônio, que ficam sabendo por meio de perfis de fofocas nas mídias sociais, e acionam o capanga na América, o armênio Toros (Karren Karagullian, ator fetiche de Baker).
Este, envolvido num batizado, envia o irmão Garnick (Vache Tovmasyan), que já é uma espécie de guarda-costas de Vanya, e o recém-chegado da Rússia, Igor (Yura Borisov, indicado ao Oscar de Ator Coadjuvante, preste atenção nele).
A partir daqui, SPOILERS!
Quando os dois brutamontes chegam para segurar o casal até Toros chegar, o que era para ser uma intimidação vira uma comédia pastelão. Vanya consegue fugir e, às duras penas, a dupla consegue conter Ani, que luta como uma leoa até ser imobilizada.
Quando Toros chega, entra em pânico porque os chefes estão chegando aos EUA e esperam encontrar o filho e a “nora” para acabar com a brincadeira. Para Ani, no entanto, não se trata de uma piada: seu sonho é que está em jogo.
Ela resolve ajudar a encontrar o marido, mas para conseguir dele a afirmação da seriedade da relação dos dois. A busca por Vanya em Brighton Beach começa a criar uma conexão entre Ani e Igor, a quem ela odeia por tê-la segurado de forma inconveniente, mas o rapaz é o único que entende a situação da garota, e isso é dito não com palavras, mas com o olhar.
Enquanto Toros e Garnick atuam como dois mafiosos atrapalhados, a câmera constantemente enquadra Ani e Igor, mesmo quando não estão necessariamente contracenando.
O encontro com Vanya na HQ recebendo um lap dance justamente de sua maior rival na boate, joga Ani na realidade de que tudo não passou de uma travessura de uma menino mimado, e a reunião com os pais dele e consequente divórcio é a pá de cal nos seus sonhos de uma vida diferente.
Seu último esforço de sair daquilo com alguma dignidade é esmagado pelo poder do dinheiro pela sogra, numa cena comovente.
O final é daqueles que por si mereciam um prêmio, não de arrancar aplausos, mas de emocionar o cinéfilo mais duro na queda.
Se não estivesse torcendo por Ainda Estou Aqui e por Fernanda Torres, Anora, até aqui, seria meu filme do Oscar.
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