Revisitar um personagem não é novidade em Hollywood, principalmente nesta Era de Ouro dos Heróis no Cinema. Mas a história de Bruce Wayne e a sétima arte teria início em 1989, dez anos após o deslumbramento causado pelo Superman de Richard Donner e Christopher Reeve.
Com um tom sombrio, mas ao mesmo tempo caricato, o herói vivido por Michael Keaton marcou uma geração, com uma continuação ainda melhor, lançada em 1992. Esqueçamos os filmes seguintes, de 1995 e 1997, que tiveram boas bilheterias, mas fizeram os fãs do herói esconderem-se em qualquer caverna à disposição.
Foram precisos oito anos até que o personagem chegasse às mãos do badalado Christopher Nolan, no primeiro filme de uma trilogia que trouxe Bruce Wayne de volta para uma nova geração, distante das caricaturas. Gotham continuava sombria, mas os vilões eram os destaques.
Pergunte-me qual o melhor filme da Trilogia Nolan e direi sem pestanejar: O Cavaleiro das Trevas (2008). O motivo? O Coringa interpretado magistralmente pelo saudoso Heath Ledger, que até hoje me impressiona por suas nuances e construção detalhada. Desculpa, Jack Nicholson.
O final – nem tão prestigioso – da Trilogia Nolan encerrou a passagem de Christian Bale pelo personagem e trouxe uma nova (velha) pergunta: o que será de Bruce Wayne daqui em diante?
Bem, a solução encontrada pela DC gera debates até hoje, com o Bruce Wayne ‘experiente’ de Ben Affleck enfrentando Superman em A Origem da Justiça (2016) e depois virando um aliado em Liga da Justiça (2021, não falemos aqui sobre a versão de 2017, está proibido), pelas mãos do rei do slow motion, Zack Snyder.
Foi legal? Foi. Poderia ser melhor? Claro (muito). Então, qual seria o próximo passo? Ainda mais em um Multiverso que não para de crescer, seja nos cinemas (mesmo que de forma não tão coordenada quanto a da rival Marvel) ou na televisão (terreno que a DC domina, apesar de tudo)?
Carta branca
A DC anunciaria em 2020 uma nova incursão a Gotham City, desta vez comandada pelo diretor, produtor e roteirista Matt Reeves, que ganhara destaque em 2008 com Cloverfield – Monstro, mas se destacaria mesmo com Planeta dos Macacos: O Confronto (2014) e Planeta dos Macacos: A Guerra (2017).
Em um primeiro momento, Reeves comandaria um projeto ainda encabeçado por Ben Affleck, que também havia escrito o roteiro. Apesar de elogiar o projeto, resolveu recusá-lo, em prol da sua visão do personagem. Tempos depois, a Warner o procuraria novamente, com carta branca para a criação de Batman, que chega aos cinemas.
Enquanto você lê este texto e se pergunta “porque eu veria o mesmo personagem de novo nas telonas?”. A resposta é simples: porque você nunca viu este Batman no cinema. Acredite, é diferente de tudo que você já viu.
Influências
Em diversas entrevistas de divulgação, Reeves indicou três histórias em quadrinhos que serviram como referência para seu roteiro. A primeira – como não poderia deixar de ser – é Batman: Ano Um, lançado em 1986 por Frank Miller e David Mazzucchelli, que reinterpreta a origem do herói e revela seus primeiros movimentos como o Homem-Morcego.
A segunda é Batman: Ego, de Darwyn Cooke, HQ que voltou a ser debatida depois que Reeves a citou como inspiração. Na trama, Bruce mergulha em sua própria mente para discutir a origem e os métodos de Batman, enquanto analisa o impacto de suas ações para o povo de Gotham.
Por fim – e não menos importante –, temos Batman: O Longo Dia das Bruxas, de Jeph Loeb e Tim Sale, que mostra uma série de assassinatos ocorridos em datas festivas e sempre relacionados ao submundo dos gângsteres de Gotham City, trazendo de volta personagens como Carmine Falcone, Harvey Dent, James Gordon, Mulher-Gato e muitos outros.
Não ter lido qualquer uma delas não influenciará sua experiência em Batman. Mas se você leu ao menos alguma delas, reconhecerá as influências, principalmente em um dos pontos de maior destaque do novo filme: a falta de experiência de Bruce Wayne.
Ambientação
Antes de tudo, é preciso falar sobre uma das personagens mais importantes do filme: Gotham City. A ambientação não é tão carregada quanto em filmes anteriores, mas a cidade continua suja, escura e perigosa como sempre foi. A escória está lá, por todos os lados, esperando uma oportunidade de atacar.
E o novo Bruce Wayne? Robert Pattinson parece aquele ator que, por toda sua carreira, terá que provar algo para alguém. Bobagem. Se você ainda tem, única e exclusivamente, a figura do vampiro Edward Cullen (Crepúsculo) em sua mente, trate de pesquisar a filmografia do ator.
Seja trabalhando com David Cronenberg em Cosmópolis, com Benny e Josh Safdie em Bom Comportamento, com Robert Eggers em O Farol, ou com Christopher Nolan em Tenet, apenas para citar alguns de seus projetos, Pattinson é um dos atores mais versáteis e bem-sucedidos de sua geração.
Seu Bruce Wayne ainda é rodeado de expectativas, a maioria delas criadas por ele mesmo, em seus primeiros anos de combate ao crime em Gotham. E é muito interessante analisar seus erros, provenientes da inexperiência, e seus acertos.
E falando em acertos, aqui reside um dos pontos que mais me surpreendeu em Batman. Leio quadrinhos há décadas e o que sempre me impressionou nas aventuras do Homem-Morcego foi sua capacidade investigativa. Característica pouco explorada em seus filmes anteriores, mais emergenciais e voltados à aventura.
Aqui, Bruce Wayne vive de cara amarrada, de mal com o mundo e cheio de raiva. Vingança é palavra de ordem. Não bastassem os equívocos operacionais, digamos assim, a jornada levará o herói a um novo caminho. No entanto, sua capacidade de enxergar além está lá, fazendo dele um parceiro pouco desejável da polícia de Gotham, repleta de peças corruptas.
Química
Mas Batman não é apenas Robert Pattinson. A Mulher-Gato de Zoë Kravitz (Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald) é sensual e enigmática na medida certa e a química com Bruce Wayne se destaca.
Colin Farrell (Magnatas do Crime) está irreconhecível como Pinguim em um trabalho de maquiagem impressionante. John Turturro (Transformers) exibe sua habitual competência como o mafioso Carmine Falcone. Mesmo com pouco tempo de tela, Andy Serkis (que trabalhou com Reeves em Planeta dos Macacos) tem momentos marcantes como Alfred Pennyworth.
Jeffrey Wright (007 – Sem Tempo para Morrer) cria um James Gordon também relutante, mas que sabe, desde o início, na única pessoa em que deve confiar, muito embora a própria polícia de Gotham tenha motivos diversos para discordar dele.
No entanto, o destaque fica mesmo para Paul Dano (Sangue Negro) como o enigmático Edward Nashton, também conhecido como Charada. Seu personagem entra com louvor para a galeria de vilões de Gotham.
Seus enigmas, as mortes, a intrincada trama para desmascarar a verdade que envolve políticos, mafiosos e policiais são o grande destaque de Batman. E é exatamente quando o filme deixa isso de lado que acaba perdendo um pouco da sua força e se estendendo para seus 176 minutos de duração.
E falando em personagem, o Batmóvel está de volta em uma versão impressionantemente robusta e que se destaca em uma das cenas mais espetaculares do filme – e que comprova a busca de seus realizadores por um nível de ação mais realista.
Descobertas
Ao final, Batman é um filme de descobertas. Nós descobrimos algumas verdades sobre a Família Wayne e sobre como Gotham é traiçoeira – enquanto esconde traços de esperança. Descobrimos que aliados podem surgir dos lugares mais suspeitos possíveis e que o mesmo pode se esperar daqueles que parecem estar contigo. Descobrimos até mesmo que Batman é um grande detetive (quem diria?).
Enfim, acompanhar a gênese de Bruce Wayne e seu alter ego é uma experiência muito agradável, que dispensa os flashbacks de origem para focar em uma aventura noir de primeira linha, em que somos apresentados novamente a personagens que aprendemos a gostar, de um jeito que nunca vimos antes.
Com uma trilha sonora de arrepiar, cortesia de Michael Giacchino, e uma cena final que nos deixa certos de uma continuação, este Batman é a prova de que grandes personagens viverão para sempre em suas versões, reinvenções e interpretações. Ainda há muito de Bruce Wayne para acompanharmos – para tristeza de certas alas de Hollywood. Mas isso é assunto para outra conversa.
Atenção: o Bat-Verso de Matt Reeves ganhará uma série solo para o Pinguim e outra para o Departamento de Polícia de Gotham na HBO Max. Uma terceira série, voltada para as aventuras da Mulher-Gato, tamb´ém deve ser anunciada em breve.
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