Review | Como Vender a Lua

Após engatar reviews de duas séries da Apple TV+, vou ao cinema e… vejo mais uma produção bancada pelo conglomerado da maçã. Como Vender a Lua, que estreou esta semana, é uma comédia romântica no estilo da época em que se passa – os anos 1960 – temperada com a visão crítica deste século, tudo amarrado em torno do casal estelar de protagonistas: Scarlett Johansson e Channing Tatum. O pano de fundo da corrida espacial é que é característico da Apple+, que produziu For All Mankind, Constelação e tantos outros sci-fi excelentes.

Bem ao estilo dos sixties, que glamurizou a profissão de publicitário (vide Mad Men), Kelly Jones (Scarlett) é uma agressiva profissional de marketing recrutada pelo misterioso Moe Berkus (Woody Harrelson), um plenipotenciário que responde diretamente ao presidente Nixon, para levantar a imagem da Nasa, debilitada após o trágico acidente da Apollo 1, que matou três astronautas durante uma simulação de lançamento.

O diretor de Cabo Kennedy, Cole Davis (Tatum) é quem tem que lidar com a responsabilidade da perda dos colegas, do corte de orçamento e constantes contratempos.

Como numa típica rom-com americana, antes mesmo de serem apresentados, rola um flerte casual entre os dois, para entrarem em conflito em suas respectivas agendas: ele, tentando manter o cronograma do lançamento da Apollo 11; e ela em busca dos corações do público e da boa vontade dos políticos responsáveis pela liberação dos recursos para o programa espacial.

É interessante como o roteiro casa o clima e ritmo das produções do estilo Rock Hudson/Doris Day com o senso crítico contemporâneo. A Kelly de Scarlett, embora desafie o machismo normalizado, parece inspirada no Don Draper de Mad Men – só não roubou a identidade de ninguém – revelando o tanto de picaretagem tem por trás do glamour do mundo da publicidade.

Também a época, Hollywood ainda não fazia críticas ao governo federal e ao presidente (isso só virou moda a partir de, veja só, Richard Nixon). Mas o ponto mais relevante é o resgate do fascínio da corrida espacial.

Muitas das objeções aos gastos do programa Apollo aconteceram na época, mas espelham questões contemporâneas, como o Vietnã evocando as guerras em que os EUA se envolveram e se envolvem neste século, o congressista fundamentalista cristão (mais na moda hoje que então) e o renascimento do interesse no espaço, tendo Marte como objetivo.

Química

Grande parte dos acontecimentos do filme são reais, ainda que simplificados, da comoção após a Apollo 1, que quase cancelou o projeto; os constantes acidentes; a onda publicitária que cercou o lançamento à Lua; os questionamentos sobre os gastos; e o quase aborto do pouso por conta do combustível.

A única coisa inteiramente fictícia é justamente o cerne do argumento: o plano B da real conquista lunar, que até hoje gera teorias da conspiração, que o roteiro leva com humor e ironia.

A química entre o par central é sine qua non para que uma comédia romântica funcione, e aqui a coisa rola, não apenas porque são duas pessoas muito bonitas, mas pela cancha dos dois. Mas, no entanto, o desequilíbrio de atuação fica evidente numa cena de confissão, em que Scarlett esbanja emoção tanto corporal quanto na voz (que um dia deixou Joachim Phoenix apaixonado) enquanto Tatum, ao se fazer de durão, se expressa tanto quando uma das efígies do Monte Rushmore.

Mas no geral, tudo encaixa bem, da canastrice histriônica de Harrelson à participação emotiva de Ray Romano, como o engenheiro-chefe a amigo de Davis.

A cereja do bolo fica por conta do lançamento da Apollo 10, na verdade aproveitando a decolagem de um foguete real, com câmera 4k e som Dolby Stereo, em que as nossas cadeiras vibram. Para uma fã de viagens espaciais, vale muito assistir no cinema.

Marcos Kimura http://www.nerdinterior.com.br

Marcos Kimura é jornalista cultural há 25 anos, mas aficionado de filmes e quadrinhos há muito mais tempo. Foi programador do Cineclube Oscarito, em São Paulo, e técnico de Cinema e Histórias em Quadrinhos na Oficina Cultural Oswald de Andrade, da Secretaria de Estado da Cultura.

Programa o Cineclube Indaiatuba, que funciona no Topázio Cinemas do Shopping Jaraguá duas vezes por mês.

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