Review II | Emilia Pérez

Ano passado, Maestro, dirigido e protagonizado por Bradley Cooper, foi acusado de ser Oscar bait – o que de fato era -, mas suas sete indicações (incluindo Maquiagem, meldels) não deram em nada. Em 2025, pelo menos dois filmes também são produções feitas para ganhar o Oscar…. e ninguém comenta.

Um deles é Conclave – classudo, bem executado, mas acadêmico – e o outro, Emilia Pérez. A protagonista é a Rita de Zoë Saldaña (Avatar), mas a inscrita para Atriz Principal foi Karla Sofía Gascón, por conta do apelo em ser a primeira intérprete trans a entrar na lista das finalistas.

E deu certo, até o projeto começar a naufragar às vésperas dos prêmios da Academia.

Mas me adianto. O diretor Jacques Audiard fez seu nome com O Profeta e Dheepan – O Refúgio, cujos panos de fundo eram o submundo francês sob o ponto de vista de um jovem de origem árabe (O Profeta) e de um refugiado do Sri Lanka (Dheepan).

Aí ele resolve abordar o México dos cartéis a partir do que ele viu nos noticiários e em produções americanas na forma de um musical, cria uma personagem-título trans para se alinhar com os discursos da moda e, como aditivo num projeto de baixo orçamento, convida duas estrelas de Hollywood para papéis centrais (foi esse o motivo e não supostamente “não encontrar talentos adequados no México”). Em resumo, esse é o projeto Emilia Pérez.

É estranho que muitos que odiaram Coringa: Delírio a Dois acharam o filme de Audiard inovador. Todd Philips constrói sua narrativa a partir de standards da canção americana – para o que, suspeito, Lady Gaga deu consultoria, além de atuar – enquanto em Emilia Pérez a cantoria sai de qualquer lugar, com letras em espanhol de tradutor do Google que mal se encaixam nas melodias.

As exceções, é claro, são El Mal e Mi Camino, entoadas pelas atrizes hollywoodianas para serem indicadas às premiações.

O número musical de  Zoë Saldaña talvez seja o ponto alto do filme (mas quem são esses franceses para avacalhar o México do lado de fora?) e o único motivo para Selena Gomez estar no elenco é para cantar Mi Camino, porque a atuação realmente é constrangedora, mesmo fazendo de conta que ela fala espanhol.

E Karla Sofía Gascón concorrendo com Mickey Madison, Demi Moore e Fernanda Torres é de doer. Não vi Cynthia Erivo em Wicked mas, no mínimo, ela canta melhor. Por isso, creio que se não fosse pelo fato de ser trans, ela não estaria na lista.

Só para recordar: Daniela Vega, protagonista de Uma Mulher Fantástica, produção vencedora do Oscar de Filme Internacional (sim, o Chile tem uma estatueta), entregou uma  atuação muito superior e foi ignorada pela Academia.

O fato de que agora se descobriu, por meio de tweets antigos, de que Karla é uma escrota, talvez faça com que se perceba que a atuação dela não é nada demais.

O final é de revirar o estômago, com a defesa do ponto de vista da superioridade cultural do europeu sobre os pobres latino-americanos, submetidos ao ópio do povo e à ignorância (não custa recordar que, quando Karl Marx falava de “idiotia rural”, se referia ao interior da França).

Não basta ser mau cinema, tem que que ser culturalmente insultante também.

Marcos Kimura http://www.nerdinterior.com.br

Marcos Kimura é jornalista cultural há 25 anos, mas aficionado de filmes e quadrinhos há muito mais tempo. Foi programador do Cineclube Oscarito, em São Paulo, e técnico de Cinema e Histórias em Quadrinhos na Oficina Cultural Oswald de Andrade, da Secretaria de Estado da Cultura.

Programa o Cineclube Indaiatuba, que funciona no Topázio Cinemas do Shopping Jaraguá duas vezes por mês.

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