Com Debi & Loide – Dois Idiotas em Apuros (1994), Quem Vai Ficar com Mary? (1998), Eu, Eu Mesmo & Irene (2000) e O Amor é Cego (2001), lançados durante o fim dos anos 90 e início dos anos 2000, os irmãos Farrelly dominaram a Sessão da Tarde com comédias pastelão que caíram nas graças do público. Quatro anos depois de Debi & Loide 2 (2014), Peter Farrelly decide voltar à direção – dessa vez sem a companhia do irmão – em um filme que trata de um tema em alta, mas com um estilo que ainda parece pertencer aos anos 90.
Inspirado na história real do pianista Nick Vallelonga, Green Book – O Guia não possui a mesma originalidade das irreverentes comédias noventistas dos irmãos, e é justamente por ter um discurso racial tão insosso que o filme se torna uma dramédia inofensiva, fazendo jus às comparações com Conduzindo Miss Daisy (1989), outra dramédia que chegou a vencer o Oscar de Melhor Filme em 1990.
Em um ano que o discurso racial teve excelentes filmes como Infiltrado na Klan, de Spike Lee, Ponto Cego, do diretor estreante Carlos López Estrada e a representatividade de Pantera Negra, é difícil compreender o alarde em volta da produção de Green Book – O Guia, premiado com o Globo de Ouro de Melhor Filme de Comédia, indicado ao Oscar de melhor filme e com Peter Farrelly indicado ao Sindicato dos Diretores de Hollywood.
O roteiro escrito por Farrelly, Vallelonga e Brian Hays Currie conta a história verídica da amizade improvável entre o segurança ítalo-americano Tony Lip (Viggo Mortensen, de Capitão Fantástico) e Dr. Don Shirley (Mahershala Ali, de Moonlight: Sob a Luz do Luar), um pianista negro que contrata o falante brucutu como seu motorista para uma turnê pelo sul dos Estados Unidos, em plenos anos 60, uma época onde o preconceito era explícito, daí a referência ao título do longa, Green Book, uma espécie de guia para que negros pudessem se hospedar em hotéis específicos aos afro-americanos.
A maior ressalva do longa é apresentar Tony Lip como um irrefutável preconceituoso, capaz de jogar fora dois copos de sua casa após ver dois homens negros bebendo neles e, momentos depois, aceitar ser motorista de um negro. Tal fragilidade nas linhas do roteiro enfraquece o longa, apesar de não tornar o filme odiável.
O fato é que Farrelly se apega à facilidade para agradar às massas, ele faz de seu longa um road movie, criando uma jornada com constantes situações em que o preconceito vem à tona, dando a chance de Tony Lip enxergar o racismo institucionalizado e enraizado na sociedade americana para fazer uma autoanálise de sua postura.
Se o discurso é vazio, a comédia é cheia
Já que o longa perde força com seu discurso cínico, os momentos cômicos são o que fazem a diferença para que o longa seja visto como uma experiência despretensiosa. A atuação da dupla principal eleva o filme e é o que faz valer suas mais de duas horas de duração. Mortensen convence com seu jeito grosseiro e sotaque italiano, enquanto humaniza um personagem que seria facilmente desagradável. Já Ali dá uma atuação firme e segura a um personagem negro que não se sente parte de nenhum dos “dois mundos”.
Pelo tom de sua pele, o pianista não é bem-vindo entre os brancos (como na cena em que lhe é negada uma mesa em um restaurante), e por sua posição social também não é bem-vindo entre os negros, e é uma pena que seu personagem seja o coadjuvante. Conhecemos pouco sobre seu Don Shirley, e é elogiável que Ali consiga fazer muito com o pouco que lhe foi entregue.
Por outro lado, é uma pena que Farrelly faça pouco – ou o básico – com o tanto que a história prometia. Não que o filme seja ruim, pelo contrário. Agrada, faz rir e pode emocionar os mais sentimentais, mas futuramente será lembrado apenas como mais uma sessão sem muito compromisso. E isso, numa época onde a representatividade importa cada vez mais, deve sim ser destacado.
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