Os filmes sobre religião, fé ou personalidades religiosas costumam funcionar em duas frentes, uma delas é a do ponto de vista crítico, aquela em que o espectador tem a oportunidade de adquirir conhecimento acerca da religião ou do religioso tratado, como se fosse um material de estudo. E a outra é a análise feita a partir do ponto de vista pessoal, e também parcial, que acaba sendo a razão desses filmes existirem.
Filmes religiosos são filmes de nicho, geralmente voltados a quem é praticante daquela religião, muitos são panfletários e maniqueístas demais, mesmo assim, são voltados a um grupo específico e, querendo ou não, agradam àqueles que têm fé. Nestes casos vale a máxima: religião não se discute. Mas nada impede que outros públicos assistam a esses filmes.
Quando se fala em espiritismo ou doutrina espírita, o Brasil é um dos países com mais adeptos no mundo e tem em Chico Xavier um de seus maiores expoentes. Por isso, o longa Kardec – que conta as origens da doutrina por meio dos feitos de seu nome mais importante – é um grande chamariz não só para os espíritas, mas também para os curiosos que podem se interessar por esta obra que não se interessa em ser panfletária, mas sim uma cinebiografia muito bem acabada na parte técnica.
O design de produção chama mais atenção que o próprio protagonista
O longa do diretor Wagner de Assis (Nosso Lar), que assina o roteiro ao lado de L.G. Bayão (Minha Fama de Mau), vai desde o período em que Hippolyte Léon Denizard Rivail atuava como educador, passando pela investigação dos fenômenos espíritas, pelo processo de codificação da doutrina em 1857 – quando já utilizava o pseudônimo Allan Kardec – até a publicação e repercussão de “O Livro dos Espíritos”.
Ambientada na Paris da década de 1850, nota-se nesta produção brasileira um cuidado com o design de produção e na fotografia. As tomadas externas vão e vêm, situando o espectador na cidade-luz da época, caso este se esqueça e se confunda ao ouvir um português tão bem falado – cada sílaba é minuciosamente proferida, um aspecto que também remete ao estilo romanceado da narrativa.
Se por um lado há toda essa minuciosidade e perícia com a época, ambientação e diálogos, por outro, o desenvolvimento dos personagens deixa a desejar. A parceria entre Kardec (Leonardo Medeiros de O Paciente) e a esposa Amélie (Sandra Corveloni de 10 Segundos para Vencer) é o que tem de melhor no trato das relações humanas, os demais coadjuvantes têm pouquíssimo tempo de tela para serem relevantes.
Assis parece muito mais interessado em pontuar os momentos mais marcantes da trajetória de Kardec do que em mergulhar em sua mente e naqueles que orbitaram ao seu redor.
Os conflitos de Kardec não se refletem no longa…
Aliás, a princípio, Kardec é relutante com a idoneidade das mesas giratórias e a mediunidade, e o longa trata com coragem este método desde a primeira cena, quando vemos literalmente uma mesa flutuando – já deixando claro para o espectador que aquela é uma história em que o que se vê é pra crer – porém, tudo é resolvido – quando é – fácil e rápido demais.
Os conflitos estão ali para serem desenvolvidos, desde o embate com a Igreja Católica – na figura do Padre Boutin (Genézio de Barros) – à parceria com a médium Ruth-Celine Japhet (Julia Konrad), mas Assis não se preocupa em fechar os parênteses dessas relações, deixando tais consequências para a História, e não para o longa.
Kardec serve como meio de informar sem panfletar. É uma cinebiografia que pega uma pequena parcela da vida de Allan Kardec e a sintetiza ao máximo para caber em formato de filme, deixando a personalidade de seu protagonista pouco desenvolta, embora seja efetiva ao mostrar como Kardec se especializou na doutrina espírita, lutou contra a repressão da Igreja e deixou um legado de obras que são estudadas até hoje.
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