Em seu primeiro filme após o Oscar de Parasita, Bong Joon Ho retorna a seu gênero favorito, a ficção científica. Mickey 17 reúne elementos já vistos em outras obras do cineasta coreano, como O Hospedeiro, Okja e Expresso do Amanhã, mas o que daria uma ótima graphic novel, resulta num filme insatisfatório.
Deslumbramento com o orçamento estimado em 118 milhões de dólares? Excesso de ideias e informações? Personagens muito caricatos? Talvez tudo isso, mas ainda assim vale a pena ver esse tsunami criativo do único diretor asiático a vencer o Oscar.
No ano 2054 (tão perto?) Mickey Barnes (Robert Pattinson mostrando toda sua versatilidade) é um zé mané que acaba contraindo uma dívida com um cruel agiota, graças a seu amigo e sócio Timo (Steve Yeun, de Minari), um malandro sem escrúpulos.
Para fugir dos cobradores de dívidas – que pretendem cortá-lo em pedacinhos para transmitir ao vivo para o patrão – ele embarca em uma viagem interplanetária de colonização, liderada pelo político e líder de culto Kenneth Marshall (Mark Ruffalo) e sua esposa Ylfa (Toni Colette, que ano passado comemorou os 30 anos de O Casamento de Muriel).
Sem qualquer qualificação que facilite seu recrutamento, Mickey opta em ser um descartável, sem ler o que isso significa. Além das viagens espaciais, a tecnologia desenvolveu a impressão de corpos humanos, que acompanhado do download das memórias, permite que pessoas possam ser duplicadas.
Um debate no congresso sobre a ética do procedimento faz com que a replicação só seja permitida em um indivíduo por viagem de colonização, exatamente o descartável Mickey.
Seu trabalho é fazer tudo que envolve risco de morte: exposição a radiação, vírus desconhecidos, entre outros. A única coisa que faz essa provação ser tolerável é o amor da agente-soldado Nasha (Naomi Ackie, a Whitney Houston de I Wanna Dance with Somebody).
Aqui, há a quebra de um tabu do audiovisual do leste asiático, que é a sexualidade da mulher. Quem está acostumado com os doramas, sabe que o comum é a idealização do amor romântico: leva capítulos até o primeiro beijo na boca. No cinema coreano e japonês também é assim, especialmente em se tratando do desejo feminino
Não importa porque a bela e empoderada Nasha se apaixona pelo bocó do Mickey, mas ela demonstra seu amor de forma bem física, incluindo um trisal, e o diretor se diverte com as reações que devem ocorrer em seu país.
O planeta Niflhein – na mitologia nórdica, a terra de inverno eterno para onde vão os que morrem sem honra – revela-se não apenas inóspito, mas habitado por seres que parecem tardígrados (os bichos mais resistentes da Terra) gigantes, que Marshall, como bom vilão caricato, quer exterminar para o bem da sua futura colônia.
O filme adapta o romance Mickey 7, de Edward Ashton, e diferença entre livro e filme é justamente o número: Joon Ho mata Mickey dez vezes a mais. Novamente, todo esse exagero funcionaria muito bem numa graphic novel – consigo até ver o grande Moebius desenhando – mas no cinema acaba ficando superficial.
É quase o oposto do minimalismo de Parasita, em que a tragédia vai se construindo lentamente. Em Mickey 17, as críticas ao capitalismo e ao imperialismo americano são jogadas na cara desde o começo. Assim como em Okja, o discurso anti-abate de animais está explícito desde o início.
Ainda assim, é sempre um prazer ver o trabalho de um grande cineasta, mesmo quando ele se perde nas próprias ideias.
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