Review | Morbius

Hoje, todo estúdio de Hollywood luta para estabelecer o seu universo compartilhado. E porque não fariam isso? Afinal, é uma receita que se mostrou valiosa e muito lucrativa com o tempo. Principalmente para estúdio detentores de personagens dos quadrinhos.

O Marvel Studios, que hoje vive no guarda-chuva da Disney, é o maior case de sucesso dos universos compartilhados. Desde 2008, com Homem de Ferro, a Marvel constrói seu mundo recheado de histórias e personagens fantásticos.

Hoje, 14 anos depois, o estúdio ostenta uma vasta lista de filmes bem-sucedidos em termos de bilheteria e público. Apesar de oscilações na qualidade, todas as histórias cumprem o seu papel de contar uma narrativa maior, que expanda o universo.

É óbvio que vendo todo esse sucesso – e todo esse dinheiro – outros estúdios tentariam o mesmo. Principalmente a Sony Studios, detentora dos direitos do Homem-Aranha e de seus vilões no cinema.

Após uma parceria de sucesso com a Disney na produção de novos filmes para o aracnídeo, a Sony deu sinal verde para uma nova estratégia: um universo compartilhado só com vilões do Cabeça de Teia. O novo universo aconteceria em paralelo ao do Aranha no Marvel Studios, porém, sempre com promessas de futuras ligações.

Assim, a Sony deu à luz a Venom (2018) e sua continuação, Venom: Tempo de Carnificina (2021). Independentemente das suas qualidades, os filmes encontraram público e relativo sucesso com base nos fãs do personagem. Agora, a Sony tenta o mesmo feito e dá seu próximo passo no universo expandido com Morbius.

Cartunesco

Em resumo, a trama apresenta o Dr. Michael Morbius, vivido por Jared Leto. Desde pequeno, Michael viveu em hospitais devido a uma rara doença sanguínea. Logo se mostrou um gênio e com o tempo se tornou um dos maiores bioquímicos do mundo. Seu maior feito é a criação de um sangue sintético.

Porém, todo seu trabalho sempre foi voltado para encontrar a cura da doença que o aflige. Em seu último experimento, Morbius cria um soro com base no sangue de morcegos. O que parecia uma solução para seus problemas, acaba transformando o brilhante cientista em um vampiro mutante sedento por sangue.

O enredo, que mistura tom cartunesco com elementos dos clássicos de terror, tinha tudo para ser um bom entretenimento. E acredito que alguns poderão encontrar diversão assistindo o trabalho na sala do cinema com uma boa pipoca.

Mas a verdade é que Morbius está longe de ser um bom filme. A obra, que soma uma premissa interessante com um elenco de atores bem reconhecidos, peca na falta do mais importante: um bom roteiro.

A dupla Burk Sharpless e Matt Sazama entrega um dos roteiros mais preguiçosos dos últimos anos. A história, super explicadinha nos primeiros minutos, começa a se desfazer ao decorrer da trama. O filme é movido por muitas coincidências, incoerências e repleto de soluções fáceis.

Só em um enredo preguiçoso como esse para o personagem achar bolsa de sangue abandonada em um beco da cidade. A jornada do herói, aqui, é básica, nada envolvente, completamente sem sentimento e só existe para conectar cenas de ação.

Desnecessário

Temos ainda um excesso de tramas desnecessárias e personagens rasos. A investigação policial que ocorre em paralelo à trama principal, por exemplo, é algo que poderia ser retirado do filme sem fazer falta. A dupla de policiais é responsável por pequenos obstáculos e uma boa piada envolvendo água benta.

Mas, no geral, só servem para andar atrás do vampiro e recapitular o óbvio nas cenas dos crimes. Dos agentes do FBI não surge nenhuma reviravolta ou nova informação para acrescentar a história.

Outro personagem raso é a Dra. Martine Bancroft, vivida pela atriz Adria Arjona. A médica tem seu potencial negado e é rebaixada a viver apenas a assistente/interesse romântico de Michael. Sua única função é dar auxilio e idolatrar o colega em sua jornada. Além, claro, de dar vida ao velho papel de donzela em perigo.

Os grandes nomes do elenco também não ajudam a salvar o filme. Jared Harris, que vem de sucessos como Chernobyl e Mad Men, interpreta o médico, mentor e figura paterna de Morbius. Com a missão de trazer laços emocionais ao enredo, Harris é relegado a função de mera participação sem importância dramática.

Matt Smith, outro grande nome graças às séries Doctor Who e The Crown, interpreta Milo, amigo e antagonista de Michael. Smith é esforçado e tenta explorar ao máximo o personagem, mesmo que seja no campo da galhofa. Porém, Milo é confuso, um vilão sem motivações bem definidas que serve apenas como uma cópia genérica do herói.

Para Jared Leto, ator elogiado e premiado por trabalhos como Clube de Compras Dallas – pelo qual ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 2013 – e Réquiem para um Sonho, recai a tentativa de salvar o filme com base no carisma da celebridade.

Por mais que o ator se entregue e leve a sério seu papel, temos aqui uma atuação inexpressiva. Leto evita as suas afetações e tenta construir uma persona mais sóbria. Uma escolha segura, mas longe de ser a mais interessante.

Se no roteiro o filme não ganha, também sobram poucas chances para a direção e as cenas de ação. O diretor Daniel Espinosa (Vida) faz um trabalho básico e sem identidade. Seu único acerto é na interessante representação visual criada para os poderes de Morbius, com uma espécie de fumaça colorida para demonstrar os sentidos de morcego do anti-herói.

Porém, esse ponto alto se torna um problema visual nas cenas de ação. As lutas são difíceis de entender, salvo alguns segundos de câmera lenta que se tornam cansativos depois de um tempo. O pouco que vemos do conflito é sem graça, com uma coreografia nada inspirada. Tudo isso somado a efeitos ruins, muita fumaça e cenas escuras.

Desconexo

Ao fim, o filme não se mostra eficaz nem para expandir o universo. A campanha de marketing, que prometia várias ligações com as histórias do Aranha, se mostrou uma bela propaganda enganosa.

Durante o enredo temos breves citações ao personagem Venom e alguns acontecimentos de seus filmes. A única ligação vem nas duas – e terríveis – cenas pós-créditos, que buscam um jeito de colar o filme ao sucesso de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa. Confusas e desconexas, as cenas só demonstram a falta de planejamento da Sony.

Ao fim da sessão temos um filme capenga, capaz de divertir espectadores muito descompromissados. Já para os fãs da Marvel, tanto nos quadrinhos como nos cinemas, resta um gosto ruim na boca e uma vergonha alheia no coração. Com o resultado fraco e muita falta de carisma, acredito ser difícil que o vampiro encontre um público cativo.

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Considerações pós-crédito: a Sony segue criando seu universo e deixa claro que esse não é seu último passo. Para o futuro teremos um filme de Kraven, com Aaron Taylor-Johnson, outro vilão do aracnídeo, e um possível Venom 3. Fora isso, ficam as promessas para a presença do Sexteto Sinistro e um possível crossover com algum Homem-Aranha.

Enquanto puder, a Sony colará no sucesso do Cabeça de Teia na Marvel/Disney, sempre tirando um extra disso. Quanto ao Marvel Studios e seu universo do Homem-Aranha, resta tratar a Sony como aquele primo irritante e distante. Vê pouco, nas reuniões de família até finge se entender, mas no resto do tempo, ignora por completo a sua existência.

Bruno Lira http://www.nerdinterior.com.br

Bruno Lira é editor de vídeo e amante de histórias em quadrinhos. Atualmente está se aventurando no mundo dos roteiros e resenhas. Seu habitat natural são as bancas de jornal e os restaurantes de comida japonesa. Suas paixões incluem assistir filmes, séries, desenhos animados e ficar babando na sua coleção de gibis. Em resumo, um baita nerd orgulhoso!

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