O fã de videogame que aguarda uma adaptação cinematográfica tão boa quanto a obra original não tem um só dia de paz.
Desde a década de 90 e aquele tragicômico Super Mario Bros (1993) com Bob Hoskins (!) e John Leguizamo (!!), passando por diversos Resident Evils (alguns divertidos, outros bem ofensivos), Doom – A Porta do Inferno (2006), Terror em Silent Hill (2006), Tomb Raider (2001 e 2003) e aquela doença chamada Uwe Boll – como esquecer House of the Dead (2003), Alone in the Dark (2005) ou Far Cry: Fugindo do Inferno (2008).
Vimos nossos sonhos derreterem diante de nossos olhos com um Street Fighter – A Última Batalha (1995) mais bizarro do que aquela versão de rodoviária do game. Um Double Dragon (1994) bem nojento enganava crianças na Sessão da Tarde, e um Max Payne (2008) meia bocaça do Mark desanimado Wahlberg.
Por outro lado, nesse meio houve alguns momentos promissores, como talvez os dois primeiros Resident Evil (2002 e 2004), Príncipe da Pérsia – As Areias do Tempo (2010), Warcraft – O Primeiro Encontro de Dois Mundos (2016) e Sonic – O Filme (2020), que quase chegaram lá. Inclusive, um dos primeiros filmes que se arriscaram a levar um jogo eletrônico para a telona foi Mortal Kombat, lá em 1995.
Vinte e seis anos depois, temos uma nova tentativa. Os primeiros trailers pareciam bastante animadores, e a produção do James Wan, midas do terror moderno, prometia sanguinolência e um bom nível de entretenimento.
Só que ao final da projeção, a maior impressão que fica é de que quem tomou um Fatality no meio da cara foi o espectador. Pois é, não foi dessa vez que a maldição foi quebrada e vimos um filme verdadeiramente bom baseado no mundo dos games.
Ah, só continue a ler essa resenha se quiser encarar alguns SPOILERS. Não vão estragar a experiência mais do que o roteiro fez, mas fica o aviso.
Podia ter ficado só no trailer mesmo
O filme começa logo com o pé na porta: somos apresentados a um Japão feudal, onde os clãs Shirai Ryu e Lin Kuei demonstram sua rivalidade, especialmente por conta dos nossos velhos amigos Sub-Zero e Scorpion darem as caras: o primeiro é responsável por matar o segundo, e sua família, exceto pela filha mais nova, salva por Raiden.
A sequência toda, que ocupa os 15 minutos iniciais do filme, é disparada a melhor coisa que você vai ver aqui. Cenas de luta bem coreografadas, uma fotografia e direção bastante interessantes – ‘detalhes’ que não veremos mais no longa – e um trecho de história com o qual o espectador se importa minimamente.
Continuando: a linhagem de Hanzo (Scorpion) tem continuidade, e chegamos aos dias atuais onde o jovem lutador fracassado de MMA Cole Young não ganha de ninguém nos octógonos, mas tem a marca do dragão, o que faz dele um escolhido.
Assim ficamos sabendo quando Sub-Zero aparece querendo dar um fim no camarada, que é salvo por Jax e, depois, por Sonya Blade. Inclusive, vale ressaltar que esse Sub-Zero quase serial killer ficou bem interessante, de longe uma das caracterizações mais bacanas do longa.
Eles explicam que a marca do dragão é estampada nos campeões da Terra, que vão representar o planeta contra Outworld, numa luta que vale a sobrevivência de nosso mundo.
De acordo com as regras, é realizado um torneio entre os dois planos, e aquele lado que alcançar 10 vitórias seguidas, subjuga o outro. E adivinha: estamos perdendo de 9 a 0.
Mortal Kombat sem Mortal Kombat
O Mortal Kombat, que dá nome ao filme, é o tal do torneio onde é disputado o controle pela Terra. Toda a preparação dos guerreiros deveria levar a esse combate… que nunca acontece.
A correria do roteiro faz com que algumas lutas aconteçam aqui e ali, sem muito porquê. Depois, nossos heróis vão para o meio da pedreira da Toei onde se escondem e treinam com um Liu Kang com mais cara de protagonista do que nosso protagonista, e um Kung Lao que parecia não conseguir conter o riso ao usar aquele cosplay.
No meio disso tudo temos um Kano que consegue ser irritante, e ainda assim entrega uma boa atuação quando tenta ser um alívio cômico.
Aliás, essas lutas apresentam alguns momentos interessantes, mas em geral são dirigidas de maneira bem desesperada, com tantos cortes que chegam a nos impedir de enxergar o que acontece de verdade.
Os efeitos especiais estão bem caprichados no geral – esse Goro ficou muito bom, para a participação porca que teve no filme. Se o diabo do monstro poderia aparecer onde quisesse, porque não dentro da casa ao invés do curral, de onde sai abrindo a porta como se fosse um fazendeiro?
E o que dizer sobre as “habilidades especiais” de cada guerreiro, adquiridas após exposição a grandes… emoções? Uma desculpa safada para fazer o cara que apanhou até da vó dele no octógono derrotar o Goro, de uma hora para outra.
Aliás… qual a necessidade de criar um personagem novo, completamente sem graça, dentro de uma mitologia tão rica? O cara está sempre com cara de cachorrinho perdido na mudança.
FINISH HIM
Nem mesmo os fan services deram certos aqui, pois também foram mal utilizados: seja as frases de efeito, usadas em momentos absolutamente bobos, como um Kano mandando um “Kano Wins”, do nada, ou um “Flawless Victory” após uma luta?
A sanguinolência quase cartunesca foi bem empregada, quanto a isso fãs e novos adeptos não têm do que reclamar. A caracterização também ficou bacana, e mesmo com personagens extremamente mal explorados (Kitana?), é legal rever essas figuras na telona.
Só que nessa ânsia por se apresentar maleável, buscando agradar a todos, o filme não se sai bem nem com os velhos fãs da franquia de games, e muito menos na busca por jovens que não conhecem os jogos.
Provavelmente devemos ter uma sequência, pois os valores iniciais de arrecadação foram bem altos, e há um “gancho” no final. Se for para seguir a lógica do que já aconteceu, e o próximo filme for o mesmo que Mortal Kombat – A Aniquilação (1998) foi para o original de 1995, se preparem, pois o chute no documento vai ser ainda mais dolorido no futuro próximo.
Você pode não estar preparado para saber disso, mas… o filme de 1995 ainda é melhor.
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