Review | O Pacto

O Pacto e/ ou a Negação da Frustração

Em 1985, Sydney Pollack dirigiu o filme Entre Dois Amores (Out of Africa), estrelado por Meryl Streep, contando a história real da escritora dinamarquesa Karen Blixen, que se casa com um barão sueco, se muda para o Quênia, na África, em 1914 e lá se apaixona por um piloto britânico. A produção concorreu a onze Oscars e venceu em sete categorias, inclusive a de melhor filme.

Dezessete anos depois, já aos 63 anos de idade, Karen retorna à Dinamarca e é a partir desse novo recorte de sua vida, mas agora aos olhos de seu biógrafo, que começa O Pacto, uma espécie de sequência dirigida pelo conterrâneo de Blixen, Bille August.

Devastada pela sífilis e pelas perdas de posses e de entes queridos, Karen (Birthe Neumann) consegue se reerguer, tomando de volta uma posição de status elevado na sociedade europeia, devido a seu trabalho literário. No entanto, com a mente psicologicamente bastante abalada por tudo o que passou, ela leva agora uma amarga vida isolada do mundo no cotidiano.

Isso até conhecer o jovem poeta Thorkild Bjørnvig (Simon Bennebjerg) e convidá-lo a redigir sua autobiografia, como escritor-fantasma. Após uma recusa inicial, eles finalmente entram num acordo e acabam selando um pacto: a baronesa alavancaria a carreira promissora do rapaz, desde que ele a obedecesse a todo custo, enquanto lhe escrevesse o livro.

Revelando-se extremamente manipuladora e através de outro suposto pacto (com alguma entidade maligna), Karen deseja intensa e secretamente um acidente a Thorkild, para que assim ele seja convencido a se afastar de sua família recém-formada e se mudar para o seu nobre casarão, podendo então desenvolver um caso extraconjugal com outra moça de sua aprovação. Conforme suas vontades são realizadas pelo destino, é estabelecido um clima de suspense cada vez mais paranoico e claustrofóbico.

Fantasioso

Após uma reflexão básica, que não ignora o contexto de toda a história dessas personagens, desde o filme anterior, dessa vez tudo acaba soando um tanto como um fantasioso e exagerado desabafo do escritor, frustrado e arrependido por seus atos, em relação à pressão sofrida pelo seu trabalho com a celebridade biografada.

É difícil crer que Karen mereça a culpa por um acidente e, mais ainda, pela traição de Thorkild à esposa, meramente pelo prazer de assistir àquilo acontecendo, sem que ela fosse a amante diretamente interessada. No fim das contas, a obra foi escrita e publicada com sucesso em 1937, sob o título de A Fazenda Africana, tendo suas mais de 400 páginas traduzidas para o português, cinquenta anos mais tarde.

Surpreende que o diretor tenha compactuado com tal perspectiva dos fatos e levado a sério. Justamente ele, que trabalhou com a própria Meryl Streep doze anos depois de Entre Dois Amores, no prestigiado A Casa dos Espíritos.  Terá sido esse contato com a atriz, o despertar de seu interesse por uma nova versão da figura que ela havia retratado?

A Karen de Streep passa muito distante da imagem materna-narcisista hiper protetora desenvolvida por Neumann e August. Certamente, ela não era uma senhora imaculada, mas é de se duvidar que tenha sido uma horrível bruxa destruidora de lares, simplesmente por não ter tido a mesma sorte no amor que Thorkild.

Apesar de ter vencido o Oscar de Filme Estrangeiro por Pelle, o Conquistador, de 1987, com o veterano sueco Max von Sydow no elenco, Bille August não mantém o nível de qualidade técnica que o consagrou no passado, mas acaba pecando na estruturação da atmosfera de terror, carregada de composições muito claras e estáticas, que minimizam a densidade das situações apresentadas, a tensão narrativa e o drama proposto pelo roteiro peculiar.

Sequências de filmes são artifícios quase sempre arriscados para a indústria cinematográfica, explorando um determinado universo e ampliando sua rentabilidade. Isso porque muitas histórias têm um ciclo perfeito e já são suficientemente boas, fazendo então com que uma continuidade desnecessária até tire o brilho da obra de base, afastando um potencial público, que pode ter um primeiro contato problemático com o episódio seguinte à história original, se desinteressando pelo que deveria ser o foco.

Mesmo assim, há quem tenha a audácia de estender um conto, direta ou indiretamente, mesmo décadas depois e mesmo após se consagrar na mais disputada premiação do cinema.

Bruno Tiozo http://www.nerdinterior.com.br

Designer e acadêmico do Instituto de Artes de Campinas, propõe reflexão crítica no apreço às expressões poéticas das artes audiovisuais. Foca no Cinema ficcional, cujos filmes em mídias físicas coleciona como souvenir de universos visitados, de modo que as memórias na estante sirvam para inspirações constantes.

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