Aos 33 anos, Damien Chazelle já é um dos diretores mais promissores de Hollywood. Depois do virtuoso Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014) e do aclamado e laureado musical La La Land: Cantando Estações (2016) – que lhe rendeu o Oscar de direção – o jovem cineasta muda o tom de sua filmografia e se arrisca em O Primeiro Homem, cinebiografia que adapta a vida do astronauta e primeiro homem a pisar na Lua, Neil Armstrong.
Longe dos musicais, Chazelle não se intimida nessa nova produção, e consegue com muita competência recriar uma história bastante conhecida de um dos maiores heróis que os americanos já tiveram. Se o legado histórico de Armstrong até hoje rende produções em diversas plataformas, Chazelle foca nesse filme não apenas as conquistas profissionais que levaram o astronauta a Lua, o diretor busca desconstruir a imagem do herói, e faz com que a vida de Armstrong seja retratada de uma maneira bastante humanizada.
A ousada mudança no tom de suas produções não significa que o diretor perdeu a mão na condução de sua obra. Muito pelo contrário, Chazelle se arrisca e acaba se dando muito bem. O enredo de O Primeiro Homem vem do livro homônimo de James R. Hansen, conhecido por documentar a sucessão de eventos pessoais e profissionais que culminaram na ida de Armstrong, com a Apollo 11, à Lua. A adaptação ficou a cargo do roteirista Josh Singer, também autor dos recentes The Post – A Guerra Secreta (2016) e Spotlight – Segredos Revelados (2015), vencendo o Oscar por esse último. Singer utiliza de forma pragmática os acontecimentos conhecidos, mas não fica preso somente aos fatos históricos: é de seu interesse partir para situações que explorem o protagonista a partir de um ponto de vista mais íntimo, revelando bastante o psicológico do astronauta.
Trauma
Em uma das cenas iniciais, já somos apresentados a um grande acontecimento da trama, um momento breve, mas muito triste, que é quando acompanhamos a morte da pequena filha do astronauta. Este fato é transmitido de maneira delicada, silenciosa, mas deixa marcas na mente do protagonista, que parece viver o tempo todo em luto.
A morte aliás, é um elemento que sempre estará presente em O Primeiro Homem. Se hoje conhecemos os feitos heroicos dos astronautas, no filme também ficamos a par da periculosidade que os oficiais da NASA enfrentavam, sendo praticamente tratados como ratos de laboratório, devido a pressa na corrida espacial. Desde o treinamento até as missões oficiais, Armstrong perdeu ao longo dos anos muitos amigos. Diante dessas tragédias, o protagonista acaba criando para si uma postura reservada e pouco reage aos traumas que o cercam. A figura apática de Armstrong reflete nas escolhas que faz, para ele as fatalidades não passam de meros acontecimentos, justificados pela profissão que escolheu seguir. Mas Armstrong tem família, e o filme também deseja apresentar essa relação.
Se O Primeiro Homem é primoroso nos aspectos técnicos – facilmente ganhará os prêmios da Academia do gênero -, é na interpretação que o filme ganha força. Ryan Gosling repete novamente a parceria com o diretor, depois de toda sua dedicação em La La Land. Gosling já vem nos últimos anos se destacando em diversas produções e nessa nova parceria demonstra ser a escolha perfeita para representar o astronauta cheio de emoções interiorizadas. No limite entre o minimalismo e a inexpressividade, Gosling consegue, mesmo em momentos de silêncio, passar tanto sentimento que deixa a história do enigmático de Armstrong mais acessível.
Se Gosling guarda os sentimentos para si e na maioria do tempo mostra-se uma figura gélida, Claire Foy surge como o contraponto emocional do filme. Ao dar vida à esposa de Armstrong, Foy é uma explosão de emoções e autoritarismo que expõe a todo tempo aquilo que o marido reprime. Sobra para ela lidar com as perguntas dos filhos e dos amigos e com a iminente perda do marido. A solidão é um elemento constante em sua vida, e Foy é a atriz perfeita para desempenhar tal função.
A direção de Chazelle é tão boa – arriscando aqui uma estética semidocumental – que cria por muitos momentos um verdadeiro balé em pleno espaço. Por outro lado, os planos fechados nos rostos dos atores nos fazem íntimos de cada um e as cenas dentro das espaçonaves recriam todos os momentos de tensão e claustrofobia. Esse misto de emoções elevam a qualidade da produção.
É curioso notar a inteligência do diretor ao contrastar o interior barulhento das naves espaciais com o silêncio do protagonista e do espaço. A ausência de som na tela, faz com que a plateia também fique imóvel no momento em que os astronautas chegam à Lua.
Sem recorrer ao patriotismo exagerado – como já vimos ser feito em produções como Os Eleitos (1983), Apollo 13: Do Desastre ao Triunfo, (1995), Cowboys no Espaço (2000) e mais recentemente em Gravidade (2013) – em O Primeiro Homem existe o interesse em retratar toda a missão espacial e seus involuntários heróis, mas acima de tudo, é na jornada interior de seu biografado que o diretor demonstra seu maior interesse.
A ousadia e a coerência de Chazelle é extremamente recompensadora: maior prova disso é a maneira com que o filme termina, trocando-se o triunfo pela introspecção. Diferentemente de outras produções hollywoodianas que sempre exploraram a grandiosidade da exploração espacial, O Primeiro Homem é mais que um filme de uma viagem à Lua, é uma produção que trata com a mesma importância a conquista espacial e as relações e emoções que se passam na Terra. Não se trata somente sobre a chegada do homem à Lua, mas também sobre a conquista, a glória e as escolhas que fazemos durante a vida, sem esquecer daquilo que deixamos pelo caminho.
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