Review | O Quarto ao Lado (Cinemas)

Que Pedro Almodóvar é um dos maiores cineastas vivos é um fato. Mas que seu auge criativo passou já há algum tempo – Tudo dobre sua Mãe (1999) e Fale com Ela (2002) – também é uma verdade. Não que sua obra posterior seja ruim, com pontos altos em Volver (2006), A Pele que Habito (2011) e Dor e Glória (2019), mas distante daquela virada de século. Boa parte da obra do diretor espanhol está disponível na Netflix, inclusive Mães Paralelas (2021), lançada diretamente na plataforma de streaming.

O Quarto ao Lado venceu o Leão de Ouro do Festival de Veneza deste ano, e se não chega perto dos filmes de 1999 e 2002 – talvez nem dos três posteriores supracitados – vale uma ida ao cinema para ver um autor consagrado em busca de novos desafios e dirigindo duas atrizes do calibre de Tilda Swinton (Oscar de Atriz Coadjuvante de 2007 por Conduta de Risco) e Julianne Moore (Oscar de Melhor Atriz de 2014 por Para Sempre Alice).

Almodóvar faz seu primeiro longa-metragem em inglês, e antes ele fez dois ensaios no idioma de William Faulkner, citado no filme, nos curtas A Voz Humana (2020) – com a própria Tilda Swinton – e Estranha Forma de Vida (2023). Ainda assim, é perceptível um estranhamento fora de sua língua de conforto, principalmente com na condução dos coadjuvantes. Mas, indepentente do idioma, é um filme com sua assinatura, incluindo as “cores de Almodovar” (Calcanhoto, Adriana in Esquadros).

Julianne é Ingrid, escritora de sucesso que durante uma tarde de autógrafos fica sabendo que sua amiga Martha (Tilda) a quem não vê há anos, está com câncer terminal. Ao visitá-la no hospital, as duas se reconectam e trocam reminiscências da juventude, inclusive sobre um amante em comum, interpretado por John Turturro. Marta, ex-correspondente de guerra, revela à amiga as circunstâncias da gravidez da filha com quem tem poucas afinidades, e sobre o pai da criança, sobrevivente do Vietnã mas que sucumbiu aos traumas de guerra. Por fim, a jornalista agonizante pede à amiga que a acompanhe numa jornada final, mesmo que isso signifique que Ingrid supere seu medo da morte. É curioso que O Quarto ao Lado tenha chegado ao Brasil na semana em que o poeta Antonio Cicero faleceu, por opção similar à da personagem de Tilda.

Almodóvar já abordou a morte diversas vezes, inclusive em suas duas obras-primas, mas sempre a dos outros, e não como na primeira pessoa, como acontece com sua Martha, que certamente carrega reflexões do cineasta sobre seu próprio fim. Ele inclui citações de obras literárias e audiovisuais, que é recorrente em sua filmografia, mas não com esse destaque, como uma despedida da vida (me lembrou as reminiscências do professor moribundo em As Invasões Bárbaras, de Denys Arcand).

O fim é acachapante, mesmo anunciado, com todas as implicações morais, legai e existenciais tratadas com a maestria habitual de Almodóvar. Mas não é para a geração com déficit de atenção.

 

Marcos Kimura http://www.nerdinterior.com.br

Marcos Kimura é jornalista cultural há 25 anos, mas aficionado de filmes e quadrinhos há muito mais tempo. Foi programador do Cineclube Oscarito, em São Paulo, e técnico de Cinema e Histórias em Quadrinhos na Oficina Cultural Oswald de Andrade, da Secretaria de Estado da Cultura.

Programa o Cineclube Indaiatuba, que funciona no Topázio Cinemas do Shopping Jaraguá duas vezes por mês.

Leia também...

Mais deste Autor!

+ Ainda não há comentários

Add yours