Em 2021, tudo parecia certo para que Chadwick Boseman levasse o Oscar de Melhor Ator. Morto recentemente por um câncer devastador, ele foi indicado por A Voz Suprema do Blues, da Netflix, mas seu favoritismo era aumentado pela representatividade que assumiu por conta de Pantera Negra, o primeiro filme estrelado por pretos a superar um bilhão de dólares de bilheteria, transformando Wakanda num ideal de protagonismo para afrodescendentes de todo o mundo.
No entanto, a poucos meses do prazo de inscrições do prêmio da Academia estreou Meu Pai, com um show de atuação de Anthony Hopkins, frustrando a festa que se aguardava com a consagração póstuma de Boseman.
Agora, tudo parecia encaminhado para Lily Gladstone se tornar a primeira nativa americana a ganhar um Oscar por Assassinos da Lua das Flores. Só que Emma Stone – que, como Hopkins, já tinha uma estatueta dourada em casa – chegou com Pobres Criaturas. Já fez a limpa nas premiações até agora e deve levar a da Academia de Ciências e Artes Cinematográficas.
Gladstone se recusou a concorrer como Coadjuvante para ser inscrita como Atriz Principal. Da mesma forma, Chadwick Boseman era coadjuvante de Viola Davis no filme sobre a cantora Ma Rainey. Com todo o brilho de sua atuação, Gladstone tem pouco tempo em cena e praticamente some no terço final. Isso contribui ainda mais para o favoritismo de Stone.
É curioso que, de certa forma, Pobres Criaturas converse com Barbie, outro concorrente a Melhor Filme, mas que foi se desidratando antes do anúncio das indicações. Ambos tem viés feministas, tratam de uma jornada de autoconhecimento e são carregados por suas protagonistas.
Dá até para dizer que o filme de Yorgo Lathimos é uma Barbie para adultos, já que transborda o que inexiste no filme de Greta Gerwig, que é o sexo. Bonecos não tem genitália, e isso faz uma diferença gigantesca.
Frankenstein foi escrito por uma mulher – Mary Shelley – e o título é o nome do cientista, e não de sua criação, como a cultura pop denominou. Em Pobres Criaturas, o médico Godwin Baxter (Willem Dafoe) é o ser deformado e seu “monstro” é a atraente Bella, construído a partir do cadáver de uma suicida na qual foi implantado o cérebro de seu próprio bebê.
Com um corpo de mulher, mas com a mente infantil, a criatura passa por um processo de aprendizagem e descoberta das coisas. O crescimento motor, intelectual e emocional de Bella é interpretado de forma hipnotizante por Emma Stone, numa pegada que remete um pouco à Cruella, sua versão da icônica vilã da Disney.
Incontrolável
Para tentar controlar sua incontrolável criação, Godwin – a quem Bella chama sugestivamente de God – oferece sua mão a seu assistente Max McCandles (o comediante Ramy Youssef), um cara legal (nice guy) que prontamente aceita.
Porém, a noiva opta por fazer uma viagem a Lisboa com o advogado safado Duncan Wederburn – um Mark Ruffalo saindo do papel habitual de Mr. Nice Guy e que lhe rendeu mais uma indicação ao Oscar, a quarta (chances remotíssimas contra seu colega vingador, Robert Downey Jr, por Oppenheimer).
A ambientação steampunk é o cenário perfeito para Yorgos Lathimos (A Favorita) desenvolver sua trama, usando e abusando de uma marca de sua assinatura, que é fazer do cenário parte integrantes da história.
Aliás, uma das ambientações é Lisboa – totalmente cenográfica, é claro – mas com direito a pastéis de Belém, algumas falas no idioma de Camões e uma rápida participação da cantora Carminho.
Nessa fantástica jornada, Bella conhece o sexo em seus diversos aspectos, diversão, exploração, opressão e amor. Ela conhece o prazer, o horror da miséria e desigualdade social, o cinismo, o socialismo e o sadismo.
É um papel sob medida para essa atriz ousada, performática e com aqueles olhos enormes de anime, mas cheios de expressão. Para mim, the Oscar goes to Emma Stone. Sorry, Lily Gladstone.
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