Vamos falar sobre ética na produção de conteúdo sobre jogos?
Algumas semanas atrás estava em minhas andanças pelo Facebook quando me deparei com uma postagem em um dos grupos sobre jogos que participo. O post discorria sobre a comunidade de YouTubers “especializados” em jogos de futebol, como PES e FIFA, que tinham milhões de seguidores e “falavam sobre notícias de forma leviana a respeito dos jogos ou então faziam comentários malucos baseando-se em vídeos de gameplays de outros YouTubers”. Um caso de atrito (que não vem ao caso aqui) entre um destes caras e um produtor de PES também foi um dos pontos da conversa, com o YouTuber usando todo tipo de insulto possível contra o produtor do jogo. No final, a grande pergunta era o que todos achavam desse tipo de comportamento e como garimpar credibilidade no meio de tanta fonte de informação por aí.
No meu comentário, argumentei que, com a facilidade da internet, todo mundo hoje cria um site, um blog, um podcast ou um canal no YouTube e, com alguns milhares de seguidores, já se vê a frente de uma responsabilidade que, ao que parece, muitos deles não tem noção de que a carregam: a da credibilidade da informação. Para complementar, comentei que no jornalismo, por causa deste tipo de situação, é que a profissão de jornalista deveria ser regulamentada de verdade, inclusive com a obrigatoriedade do diploma para exercer a função. Em resposta, alguns discordaram dizendo que o diploma não é o diferencial que estabelece se uma pessoa é digna de confiança ou não, o que, de fato, concordo. Mas não dá para negar que, existindo uma base teórica, no caso do jornalismo, a prática se torna muito mais complexa do que simplesmente sair por aí falando asneiras na internet.
E essa reflexão voltou a tona na última semana, quando surgiu a notícia de que a Warner Bros. estava sendo penalizada pela FTC (Federal Trade Comission) por ter pago famosos YouTubers para darem opiniões positivas sobre Terra Média: Sombras de Mordor no ano passado. Entre eles está Felix “PewDiePie” Kjellberg, mais popular YouTuber do mundo com 46 milhões de inscritos em seu canal. Nos Estados Unidos, qualquer conteúdo de internet que seja pago ou patrocinado por alguma empresa deve estar devidamente sinalizado como tal, no caso de vídeos, dentro do próprio vídeo. O que não aconteceu nos casos acima, em que os produtores de conteúdo esconderam esta informação na descrição do vídeo, ou melhor dizendo, naquele lugar que ninguém clica abaixo do player do YouTube. E a pergunta que precisamos nos fazer agora é: existe credibilidade no mundo do jornalismo de games? Em quem acreditar? E a resposta basicamente é: em ninguém.
No caso acima possuímos três lados na história e todos eles estão completamente equivocados com suas respectivas responsabilidades: a empresa, o YouTuber e o público que o segue (e, por vezes, o defende). Mas vamos começar pela empresa. A Warner, como parte da zilionária indústria do entretenimento, está fazendo a parte dela, tentando promover o seu produto para conseguir mais vendas e, assim, mais dinheiro. No entanto, o modo como ela estava fazendo isso é imoral, orientando os produtores de conteúdo a omitirem, ou esconderem que aquele conteúdo tratava-se de publicidade. No casos dos YouTubers, a grande responsabilidade é ser transparente e manter a sua credibilidade com o seu público intacta. Por fim, cabe aos espectadores filtrarem todas as informações que absorvem na internet e criar juízo próprio sobre o que de fato é real e o que é ilusório e não acreditar em tudo o que se lê, ouve ou vê.
Mas como o foco desse texto são os produtores de conteúdo, vamos olhar pelo aspecto deles. A facilidade de criar conteúdo nos dias de hoje foi o cenário propício para que, do dia para a noite, surgissem inúmeros canais de YouTube sobre jogos que com o tempo se popularizaram e contabilizavam cada vez mais seguidores. O alcance se tornou monstruoso e, o mais preocupante é que todo esta presença atingiu principalmente as crianças e adolescentes, principais consumidores de YouTubers de gameplay. A indústria, vendo esse exponencial crescimento de mídia, claro, iria tirar a sua casquinha e começou a bombardear os YouTubers mais influentes para protagonizarem campanhas de marketing em seu canal. É neste momento do processo, quando a empresa aborda o produtor de conteúdo, que mora o perigo.
Mesmo que gameplays no YouTube não sejam, de fato, jornalismo em sua essência, não podemos negar que eles são a principal fonte de informação de muita gente que consome jogos hoje em dia, em uma internet cada vez mais visual, em que os textos já deram espaço para vídeos e áudios. Por oferecer este serviço, os YouTubers precisam resistir a tentação da cifra milionária oferecida pelas empresas e pensar em seu público. “Estou sendo justo com as pessoas que gostam do meu trabalho?”. Se a resposta for não, negue aquela proposta que não parece correta e fique com a sua credibilidade. Se você for um PewDiePie, por exemplo, menos ainda. Você tem milhões de seguidores e quem precisa de você é a empresa e não o contrário. Qualquer empresa que se preste vai aceitar as condições do YouTuber com maior alcance em todo o mundo.
Mas o que isso tudo tem a ver com o diploma de jornalista que eu citei lá no começo do texto? É que o diploma te obriga a lembrar daquelas aulas de ética no jornalismo que você, no começo não suportava e ficava louco para ir para o bar jogar bilhar, mas que agora entende a importância. Afinal, como eu mesmo já disse, quando você possui esse conhecimento teórico, a prática se torna muito mais do que um simples: “Me dá esse dinheiro aí!”.
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