Nostalgia | O PolyStation se aproveitou de minha nobreza

Há quem diga que a inocência das crianças é uma das suas maiores qualidades, um dos sentimentos mais belos e puros que o ser humano já experimentou. Quem disse isso com certeza nunca foi enganado de forma tão terrível e trágica quanto a que vou lhes relatar aqui.

Como eu já disse antes, passei muita vontade quanto a videogames em minha tenra infância. Meus olhos se enchiam de lágrimas só de lembrar que ao chegar em casa, teria que passar mais um dia apertando os botões da minha calculadora de mão enquanto imaginava guerras sendo travadas entre os números 6 e 9, numa trama que envolvia clonagem e perda de identidade entre dois irmãos que, apenas por uma questão de ponto de vista, estavam de lados diferentes nessa batalha – eu era quase um J. R. R. Tolkien, um George R. R. Martin da pobreza e do mundo imaginário do meu retardo mental. E se você parar pra pensar, mais alguma coisa eu tinha em comum com eles: erre, erre… eu errava bastante mesmo.

Mas depois da minha experiência de quase morte com o Brick Game, eu andava bem frustrado quanto aos games – mas nada que não pudesse piorar.

Numa de minhas infindáveis andanças pelas ruas da cidade enquanto acompanhava minha mãe por qualquer lugar que ela fosse, eis que em uma loja eu vi um dos maiores sonhos de consumo de minha vida juvenil: um PlayStation. E meu Deus – como estava barato, estava custando cerca de uns 30 reais, se não me engano. Minha memória é ainda mais fraca do que minha noção de ridículo, mas bem me lembro que naquela época o PSX não saia por menos do que algumas centenas de reais. Seria aquilo ali o universo conspirando a meu favor?

 

Oi, eu sou o PolyStation, seu amiguinho
Oi, eu sou o PolyStation, seu amiguinho

 

Depois de um escândalo que durou uma semana (não tinha nada a ver com a Lava Jato), e não cessou nem mesmo durante as sessões de tortura que os pais costumam chamar de “se eu for aí você vai ver”, minha mãe decidiu que ia comprar aquele videogame – ainda que sob as suspeitas de que aquele aparelho poderia estragar a TV. Mal sabiam eles que quem sairia estragado nessa história toda eram os meus sonhos…

Fomos todos enganados pela embalagem, que trazia um logo, cores, design e um nome semelhantes ao do PlayStation. E quando digo todos, me refiro a este que vos escreve, minha mãe, a vendedora da loja, aos caras da alfândega que deixaram essa m***a vir pra cá, aos caras da alfândega do país onde saiu, pois não devia nem ter saído de lá. Bom, não tenho certeza quanto ao pessoal da loja. Devem rir até hoje. Que bom. Espero que tenham comprado um HiPhone acreditando ser um original da Apple.

Mas foi só quando chegamos em casa e abri a caixa que veio a decepção: se fosse um daqueles casos onde vem um tijolo na caixa, tenho certeza que teria ficado bem mais feliz.

Notei que o que estava ali era na verdade um PolyStation, e tal qual caviar, eu nunca vi, nem comi, eu só ouço falar. Mas vou te falar que, de início, ainda me parecia um bom negócio: “poxa, parece um PlayStation, deve ser um, deve ter seus jogos. Olha só, esse controle parece bastante… mas não tem analógicos… Olha, tem uma pistola… olha, deve vir algum CD …espera aí, o que é esse buraco aqui onde deveriam entrar os CDs?”. Só fui saber o que era decepção assim ao abrir algo alguns anos depois, quando passei a acessar o saldo negativo de minha conta.

 

Você não via tanta safadeza junta assim desde a época da banheira do Gugu, não é?
Você não via tanta safadeza junta assim desde a época da banheira do Gugu, não é?

 

O que me restou foi ligar o aparelho à TV… e descobrir que eram jogos ultrapassadíssimos do NES, ou popular Nintendinho. É, eu não ia jogar Winning Eleven, Syphon Filter, Tony Hawks ou Metal Gear. Mas em compensação tinha lá milhares de jogos na memória, e eu ia jogar algum jogo aleatório de naves, algum jogo aleatório de mais naves, algum jogo aleatório de plataforma com naves… MEU DEUS, O ESPÍRITO DO BRICK GAME AINDA ESTAVA ME PERSEGUINDO?

Não fiquei muito tempo com aquele entojo e logo o passamos adiante – sensação que deve ser bem parecida daquelas pessoas que repassam correntes na tentativa de evitar a morte nas mãos de meninas que têm 15 anos de idade, ou melhor, que teriam se estivessem vivas.

 

A tristeza foi atualizada, e eis aqui a decepção em sua mais recente geração - será que usam algo chamado de "Green Ray" como mídia?
A tristeza foi atualizada, e eis aqui a decepção em sua mais recente geração – será que usam algo chamado de “Green Ray” como mídia?

 

Antes de me livrar dessa maldição eu joguei bastante um joguinho onde você tinha que atingir uns patos usando a pistolinha do jogo… Era divertido? Bom, pra quem tinha como opção isso, ou brincar de dilúvio no quintal usando formigas e lágrimas, até que foi um bom passatempo.

Uma experiência positiva disso tudo? Ao menos hoje eu sei que “vacina para pólio” não é algo para nos evitar de comprar PolyStation – embora, se fosse, eu duvido que haveria tanto choro ao sentir a agulhada.

Hoje só restam as memórias de mais um passos frustrados nessa grande estrada pavimentada com sofrimento que eu chamo de vida. E pensar que não parou por aí…

Alexandre Fernandes

Pai do Yuri Rafael, sou só um cara de meia idade que reclama bastante, mas não ao ponto de perder o bom humor. Nostalgia é meu sobrenome, e sim: gosto muito de cultura pop, filmes, séries, música, animes e mangás, videogames e tudo isso aí que faz um nerd. Mas não sou nerd, eu juro.

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