Rita Lee (1947-2023)

Diversos obituários pipocaram na web com a morte de Rita Lee, anunciada nesta terça-feira, dia 9 de maio, mas para este consumidor de música, foi um choque maior que a morte de Gal Costa, por exemplo. E olha que tinha mais LPs da intérprete de Não Identificado que da roqueira paulistana.

Talvez se deva ao fato de que a baiana teve seu grande impacto cultural nas chamadas Dunas da Gal na virada dos anos 60 para 70, meio circunscrito ao Rio de Janeiro (há um documentário, Dunas do Barato muito bom na Netflix), enquanto Rita Lee Jones explodiu nacionalmente no meio dos anos 70, quando eu formava meu gosto musical.

Deixando de lado o período Mutantes, não pela importância – que foi enorme – mas pelo alcance muito menor que o que sua ex-vocalista causou no cenário da música brasileira em carreira-solo, à época dividida em MPB, samba, brega e Roberto Carlos, que era uma categoria à parte. Rock tupiniquim no período era Mutantes (que acabou quando Arnaldo Baptista pirou), Made in Brazil, O Terço e Vimana, restrito a grupos de fãs muito restritos. Rita tocava na rádio, era trilha de novela, de comercial de jeans, de abertura da TV Mulher. E ainda era perseguida pela polícia da ditadura, não por posições políticas, mas por assumir o prazer sexual da mulher e, é claro, por alusões ao consumo de drogas, especialmente, maconha (hoje, em vias de ser descriminalizada).

Ovelha Negra foi o hino de todo adolescente deslocado, homem e mulher; Esse tal de roquenrol resumia a reação da classe média ao rock pós Jovem Guarda e The Beatles; Mania de Você (“Meu bem você me dá/Água na boca/Vestindo fantasias/Tirando a roupa”) e Lança perfume (“Me deixa de quatro no ato/Me enche de amor”) chocavam os guardiões da moral e bons costumes. Já na maturidade, Tia Rita criava versos insuperáveis sobre a mulher como “Mulher é um bicho esquisito/todo mês sangra/um sexto sentido maior que a razão” (Cor de Rosa Choque, abertura da TV Mulher) e “Porque nem toda feiticeira é corcunda/nem toda brasileira é bunda/Meu peito não é de silicone/sou muito mais macho que muito homem” (Pagu, do disco de estreia de Maria Rita, filha de seu amiga Elis Regina).

Falando em Elis, foi Rita Lee quem a desafiou a sair da casinha e gravar Velha Roupa Colorida, de Belchior, como um rock. E quando os Rolling Stones vieram ao Brasil pela primeira vez, foi ela quem Suas Majestades Satânica convidaram para abrir o show no Pacaembú.

Seu legado vive em suas músicas, que ainda suprem um dos blocos de carnaval mais famosos de São Paulo, o Ritaleena (nome genial), e enquanto alguém cantar Desculpe o auê nos videokes da vida.

Long live Rita Lee.

Marcos Kimura http://www.nerdinterior.com.br

Marcos Kimura é jornalista cultural há 25 anos, mas aficionado de filmes e quadrinhos há muito mais tempo. Foi programador do Cineclube Oscarito, em São Paulo, e técnico de Cinema e Histórias em Quadrinhos na Oficina Cultural Oswald de Andrade, da Secretaria de Estado da Cultura.

Programa o Cineclube Indaiatuba, que funciona no Topázio Cinemas do Shopping Jaraguá duas vezes por mês.

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