O Oscar 2025 teve duas coberturas diferentes no Brasil, neste domingo de Carnaval, dia 2 de março: uma pela TV aberta, na Globo, sob o comando de Maria Beltrão, com Dira Paes e o crítico contido, mas eficaz, Dalenogare.
E outra para a TV por assinatura e para o serviço de streaming, pelo canal TNT e pela Max, com Fabiula Nascimento, Lázaro Ramos e a divertida Aline Diniz. Ambos os times deste ano contribuíram finalmente com comentários relevantes para a exibição do evento.
O TAPETE VERMELHO
Na TNT a cobertura foi mais completa, com entrevistas pré-cerimônia, durante a passagem das celebridades pelo tapete vermelho. Esse pré-evento, que movimenta a indústria da moda, também teve cobertura própria pelo canal E!.
Destacam-se, aliás, os indicados a Ator, arriscando em propostas coloridas, deixando de lado o smoking preto e branco tradicional, como Timothée Chalamet de amarelo cítrico e Colman Domingo de vermelho.
Dentre as atrizes, Fernanda Torres manteve o preto como luto pela personagem que interpreta, mas dessa vez com algo mais despojado, da Chanel. E Demi Moore foi estonteante, cravejada de cristais num Armani prateado.
Isabela Rossellini também usou algo simbólico: foi de “veludo azul”, em homenagem ao recém falecido David Lynch, cujo filme Veludo Azul (1986) é estrelado por ela.
O ATRASO DA GLOBO E AS HOMENAGENS
Infelizmente, a Globo só transmitiu o Oscar após as 22h. A emissora poderia ter dado início pelo menos às 21h30, já que ele teve meia hora só para a abertura, a partir das 21h.
Esse prefácio do evento foi dividido em três segmentos, começando com uma bonita colagem de trechos de filmes de diferentes épocas, que exaltam Los Angeles, em singela homenagem às vítimas dos recentes incêndios ocorridos na cidade. Mais adiante, oficiais do Corpo de Bombeiros subiriam ao palco para serem ovacionados.
A decoração é revelada: uma estrutura de moldura triangular remetendo ao A de Academy, com a ponta cortada por uma faixa informativa da categoria apresentada e, ao fundo, um telão circular, como o O de Oscar.
Não é de duvidar que logo surjam teorias conspiratórias afirmando se tratar do símbolo da pirâmide Illuminati, com o Olho que Tudo Vê.
Ariana Grande aparece aos poucos, emocionando o público com a canção Somewhere Over the Rainbow, de O Mágico de Oz. Logo, é substituída por Cynthia Erivo ao som de Home, de The Wiz, até que ambas fazem um belo dueto de Defying the Gravity, de Wicked, finalizando essa jornada simbólica de Oz no cinema.
A ABERTURA DA CERIMÔNIA
É normal que leigos esperem por uma performance ao vivo dessa última música, apesar dela ser uma criação para a peça de teatro e não para o filme que se baseia nela e que, portanto, não poderia concorrer ao Oscar de Canção Original e nem ser apresentada na cerimônia, caso a organização exibisse as canções que concorrem ao prêmio (como tradicionalmente fez, até ano passado). Então, visando maior audiência e atendendo a expectativas, é uma troca positiva.
Por fim, chega o apresentador da vez, Conan O’Brien, que é introduzido por um vídeo divertido, numa brincadeira com o filme A Substância. Até que ele surge fisicamente com seu monólogo. A princípio, tudo ia bem, com piadas levemente ácidas com os indicados a Melhor Filme, para dar uma quebrada na tensão.
Restaria ainda uma interação desnecessária com Adam Sandler na plateia e um tosco número musical. Essas duas etapas poderiam logo ter dado vez à primeira premiação da noite. A descontração inicial acabou soando exagerada e cansativa, como um carro que se liga o motor, mas demora para pegar no tranco.
A INTERNACIONALIZAÇÃO EM ANIMAÇÃO, DOCUMENTÁRIO E CURTA
Os prêmios enfim são entregues sem grandes surpresas, de acordo com premiações anteriores dos sindicatos e de outras organizações, como a Academia Britânica (o BAFTA).
Destaca-se, portanto, a animação independente da Letônia, Flow, desbancando as gigantes DreamWorks, Pixar e Aardman e já apontando uma abertura do Oscar para uma maior internacionalização nessa edição da premiação.
Seguindo essa linha, dentre os curtas-metragens, a animação vencedora foi a belíssima iraniana A Sombra do Cipreste. No discurso de agradecimento, seus realizadores citaram, com admitida dificuldade no inglês, terem chegado a Los Angeles umas três horas antes da cerimônia, por terem conseguido o visto para os EUA somente no dia anterior. Essa incrível história daria um ótimo filme, cujo título adaptado para o português poderia ser Quem vê Close não vê Corre.
A Ficção em Curta-Metragem premiada foi a holandesa Eu Não sou um Robô. O documentário em longa-metragem foi a muito bem-vinda produção palestino-israelense Sem Chão.
Por outro lado, o documentário em curta-metragem que venceu a disputa foi o enfadonho A Única Garota da Orquestra, em detrimento de produções muito mais interessantes, como Incidente, montado a partir de gravações de câmeras de segurança.
OS PRÊMIOS TÉCNICOS
Na edição passada, o Oscar levou ao palco cinco atores e cinco atrizes para discursarem sobre cada um de seus pares indicados, antes de revelar o ganhador. Dessa vez, ele transferiu esse formato para as categorias de Figurino e de Fotografia, o que foi uma demonstração genuína muito positiva de valorização desses profissionais, geralmente não tão exaltados nesses eventos.
Os badalados Duna: Parte Dois, Wicked e Emilia Pérez angariaram dois prêmios cada. Duna ficou com o que tange a tecnologia, em Efeitos Visuais e Som (embora tivesse mérito para ganhar todas as cinco categorias a que foi indicado e outras mais).
Wicked ficou com a parte artesanal, em Figurino e Design de Produção (cenografia) e Emilia Pérez, para a tristeza de amargurados que torceram contra, ganhou Atriz Coadjuvante com Zoe Saldaña e uma das duas canções indicadas, El Mal.
A compositora francesa cantarolou um pouco em seu discurso, o que soou um tanto estranho, mas ok, cada um com suas alegrias inusitadas.
Esse prêmio foi entregue por ninguém menos do que Mick Jagger, cuja surpreendente aparição foi justificada pelo próprio como uma substituição a Bob Dylan, que recusou o convite. A Academia também acabou esnobando o cantor. Sua cinebiografia, indicada a oito categorias, saiu sem nenhum prêmio.
POLÊMICAS À PARTE, DISCURSO LONGO PARA UM FILME LONGO
O Brutalista ganhou três prêmios que comprovam um filme perfeitamente executado: o que se vê, o que se ouve e que atuação se acompanha, ou seja, Fotografia, Trilha Sonora e Ator para Adrien Brody, que desbancou Timothée Chalamet como o possível ator a quebrar o seu recorde de ator mais jovem a ganhar um Oscar, com seus 29 anos de idade, em O Pianista, em 2002. E dessa vez ele instaurou mais um recorde, o de discurso mais longo, com 5 minutos e 40 segundos.
Sua vitória aponta uma tolerância de profissionais do cinema para o uso de inteligência artificial como recurso de ajuste e aprimoramento de detalhes, como aqui utilizado para seu sotaque húngaro. Algo bem diferente do que previam portais de notícias sensacionalistas.
Tratando-se ainda de polêmicas envolvendo o ator, há 22 anos, Brody beijou à força a atriz Halle Berry, quando ela lhe entregou a estatueta. Dessa vez, ela o encontrou no tapete vermelho e o agarrou, “se vingando” e pondo um fim a essa discussão, que ela sempre tentou amenizar.
RESULTADOS ESPERADOS
Mudando de controvérsia, Conclave ganhou o Oscar de Roteiro Adaptado. Quem leu o livro-fonte, garante que a adaptação é fidedigna. Best-seller por best-seller tratando de religiosidade, é preferível O Código Da Vinci.
Mas dá para captar muito bem o recado da Academia com a valorização de obras que respeitam suas bases, deixando as grandes invencionices para materiais originais.
O incrível A Substância acabou relegado ao prêmio de Maquiagem e Penteado e A Verdadeira Dor ao de Ator Coadjuvante, com Kieran Culkin mostrando a própria personalidade excêntrica num papel que cativou quem o assistiu somente nesse filme. O irmão, Macaulay, se mostrou mais versátil em Party Monster.
AS DESPEDIDAS
Além de O Mágico de Oz ser homenageado no palco, devido ao alvoroço em torno de seu prelúdio concorrendo ao Oscar, a franquia 007 também teve um momento de performance tripla, com as canções Live and Let Die por Lisa, Diamonds Are Forever por Doja Cat e Skyfall por Raye. Isso ocorreu como tributo a Barbara Broccoli e Michael G. Wilson, que foram os produtores da franquia e anunciaram neste ano suas saídas.
Queen Latifah performou uma divertida Ease on Down the Road, de The Wiz, num tributo ao recém-falecido Quincy Jones, enquanto o In Memorian dos demais falecidos do ano ficou com um coral cantando Lacrimosa, do Réquiem de Mozart.
Lindo, mas com muitas ausências, como Bernard Hill (Titanic e O Senhor dos Anéis), Olivia Hussey (Romeu e Julieta) e o brasileiro Cacá Diegues (Xica da Silva, Tieta do Agreste e Deus é Brasileiro).
O OSCAR DO BRASIL
Falando em Brasil, chegou o tão aguardado momento. Penelope Cruz caminha pelo palco, causando angústia em quem assiste: “Será que a atriz espanhola anunciaria o filme falado em seu idioma?” Felizmente, não!
Multidões de foliões em blocos de Carnaval espalhados pelo país pararam para ouvi-la dizer I’m Still Here, Brazil, comemorando com tremendo entusiasmo esse momento que marca a história do cinema nacional com a primeira vitória do Brasil no Oscar. Sim, oficialmente é uma vitória do país, além de seus realizadores.
Fernanda Torres poderia ter subido ao palco junto com o diretor, mas o momento acabou sendo de Walter Salles, que fez um belo discurso, enaltecendo a atriz, sua mãe e a personagem que interpretam.
Apesar de estar em sua 97ª edição, a categoria Internacional (até 2019 chamada de Filme Estrangeiro) só passou a existir em 1956, em sua 29ª edição. Antes disso, de 1947 a 1955 (exceto 1953), havia um prêmio honorário a um filme internacional específico por ano, mas sem “competição”.
Trinta países já venceram a categoria, sendo Itália, França e Japão os mais vitoriosos. Dentre os latino-americanos consagrados estão Argentina, México, Chile e agora também o Brasil, com Ainda Estou Aqui.
COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI
Nosso país concorreu logo em 1962, com O Pagador de Promessas, também um marco do cinema nacional e único a vencer a Palma de Ouro de Cannes até hoje. Depois disso, voltamos ao Oscar somente nos anos 90, por três anos quase seguidos: em 95, 97 e 98, com O Quatrilho, O que é Isso, Companheiro? e Central do Brasil.
Logicamente, tivemos brasileiros natos e naturalizados envolvidos em outras produções indicadas a outras categorias. Alguns até as ganharam, como Walter Salles, diretor de Diários de Motocicleta (falado em espanhol), que levou o Oscar de Canção em 2004.
E também Rodrigo Teixeira, um dos produtores de Me Chame pelo seu Nome (falado em inglês), que ganhou o Oscar de Roteiro Adaptado em 2018. Walter e Rodrigo são responsáveis, respectivamente, pela direção e produção de Ainda Estou Aqui.
Ou seja, tratam-se de profissionais experientes quando o assunto é Oscar e que souberam muito bem divulgar o filme, a ponto de sua visibilidade garantir a estatueta, ainda que, de acordo com o mediador do debate oficial promovido pela Academia entre os indicados a Filme Internacional, somente duas mil pessoas (entre dez mil membros) tenham votado nessa categoria. Isso porque é preciso comprovar onde o filme foi visto.
O fato da produção ter sido indicada também a Melhor Filme certamente impulsionou a busca destes votantes, que optaram por elegê-lo para a categoria Internacional. Claro que suas 20 vitórias em outras premiações também ajudaram.
A vitória do Brasil no Oscar é excelente para a visibilidade do mercado audiovisual e cultural nacional. O mundo passa a se interessar mais pelo país, seja para angariar talentos ou mesmo para turismo.
HÁ ETARISMO E XENOFOBIA?
No entanto, como se isso não fosse o suficiente, os brasileiros têm demonstrado indignação por Fernanda Torres não ter vencido o Oscar de Melhor Atriz. Passada a euforia, é preciso encarar: a internacionalização do Oscar se dá aos poucos.
Somente a italiana Sophia Loren e a francesa Marion Cotillard ganharam o Oscar de Melhor Atriz por atuações em filmes de língua não inglesa. E é interessante recordar que, em filmes falados em inglês, foram premiadas nessa categoria somente a malaia Michelle Yeoh em 2022 e a italiana Anna Magnani em 1956 (cujo vestido Dior usado em sua premiação, curiosamente, foi usado também por Mikey Madison agora em 2025).
A quem argumenta etarismo por parte da Academia, já que soaria menos desconfortável a Fernanda Torres, de 59 anos de idade, perder o Oscar para Demi Moore, de 62 anos, é preciso lembrar que a recordista do Oscar de Melhor Atriz, Katharine Hepburn, ganhou três de seus quatro Oscar aos 60, 61 e 74 anos de idade (o primeiro tendo sido aos 26 anos).
A própria Michelle Yeoh, aqui citada, ganhou o Oscar aos 59 anos de idade. E há, ainda, mais outras seis vencedoras do Oscar de Melhor Atriz que conquistaram o prêmio acima dos 60 anos. Dentre elas, a recordista viva Frances McDormand (com três vitórias) e a recordista de indicações Meryl Streep (com duas vitórias).
ANORA, O GRANDE VENCEDOR
Entendendo-se isso e tendo visto os filmes sem preconceitos de narrativas ativistas já enraizadas na mente, há de se admirar a atuação da vitoriosa Mikey Madison, de 25 anos, no filme Anora.
Fica a torcida para que o Oscar não lhe seja um fardo, como foi para Adrien Brody, que após ser premiado conseguiu papéis bem duvidosos, até ter seu talento devidamente explorado neste trabalho que o levou novamente ao Oscar.
O BAFTA já havia premiado Madison em meados de fevereiro, sinalizando a escolha dos votantes (muitos em comum com o Oscar), o que diminui a sensação de surpresa de agora.
A Academia Britânica pode até ter celebrado Anora com uma apresentação do grupo Take That, cuja música embala o filme, mas quem acabou lhe concedendo o prêmio principal foi o Oscar. Anora foi também o mais premiado do ano, com um total de cinco estatuetas, entre elas Direção, Roteiro e Edição.
Todos esses quatro prêmios foram entregues ao cineasta independente Sean Baker, que se tornou o único profissional a receber quatro Oscars pelo mesmo filme. Walt Disney já havia conquistado quatro Oscar no mesmo ano, em 1953, mas por quatro filmes diferentes.
O IBOPE E O FUTURO
Dirigida por Hamish Hamilton, responsável pelo Super Bowl, a ótima cerimônia foi encerrada por volta de meia noite e cinquenta. De acordo com a VEJA, o Oscar na Globo teve a maior audiência da cerimônia em 20 anos e no TNT, a maior audiência desde o ano 2000.
Segundo a Variety, mundialmente, a premiação foi vista por 19,7 milhões de pessoas, 1% a mais do que no ano passado.
Em meio a novos recordes e, ainda que não seja como muitos almejam, o Oscar 2025 sinaliza uma ambição de não se atrelar somente aos grandes estúdios de Hollywood, mas de se abrir aos talentos do cinema independente e do mundo afora, que com tão poucos recursos, conseguem dizer muito.
LISTA DE VENCEDORES
. Filme (Curta): Não sou um Robô
. Animação (Curta): A Sombra do Cipreste
. Documentário (Curta): A Única Garota da Orquestra
. Filme Internacional: Ainda Estou Aqui (Brasil)
. Animação: Flow
. Documentário: Sem Chão
. Maquiagem e Penteado: A Substância
. Roteiro Adaptado: Conclave
. Ator Coadjuvante: A Verdadeira Dor (Kieran Culkin)
. Efeitos Visuais: Duna: Parte Dois
. Som: Duna: Parte Dois
. Design de Produção (Cenografia): Wicked
. Figurino: Wicked
. Canção: Emilia Pérez (El Mal)
. Atriz Coadjuvante: Emilia Pérez (Zoe Saldaña)
. Trilha Sonora: O Brutalista
. Fotografia: O Brutalista
. Ator: O Brutalista (Adrien Brody)
. Roteiro Original: Anora
. Montagem e Edição: Anora
. Atriz: Anora (Mikey Madison)
. Direção: Anora (Sean Baker)
. FILME: Anora
Uma grande vitória para o Brasil. Acredito que este ano o Oscar foi mais justo.