Quino e Mafalda

Estava escrevendo mais um vídeo curto para a série QueCêAcho? (sobre Enola Holmes, não perca) quando fui impactado na quarta-feira, dia 30, pela notícia da morte de Quino, ou Joaquín Salvador Lavado Tejón, criador de Mafalda, que estreou há 56 anos completados na última segunda-feira, dia 28. É um dos artistas que fazem brasileiro ter inveja de argentino, assim como Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Ricardo Darin e Lionel Messi.

Nenhuma obra em quadrinhos do Brasil teve o alcance global de Mafalda, nem mesmo a Turma da Mônica. Neste aspecto, ficam claras as diferenças entre os dois autores. Enquanto Maurício de Souza usou como modelo Walt Disney, terceirizando a produção para anônimos sob sua assinatura; Quino parou de desenhar sua personagem mais famosa após somente nove anos, alegando que não tinha mais ideias para ela.

O único caso semelhante que me lembro é Bill Waterson, que produziu Calvin e Haroldo (no original, Calvin and Hobbes, uma piada que poucos entendem) por apenas dez anos. Mas, Quino ainda permitiu que seus personagens fossem licenciados para brinquedos e virassem desenho animado – Waterson não.

É curioso que Mafalda tenha sido criada para uma campanha publicitária não-aprovada, mesma origem do fenômeno brazuca Galinha Pintadinha. Ao se tornar uma personagem praticamente autônoma, possivelmente ela renegaria tal origem mercantilista.

Mesmo pós-Mafalda, Quino continuou trabalhando e depois de 1976, quando houve o golpe dos militares na Argentina, na Europa. Mas apesar de sua produção posterior não ser nada desprezível – ele era regularmente publicado em revistas brasileiras – sua obra-prima ofuscava todo o resto.

Quem era? 

Mas quem era Mafalda? Uma menina de seis anos que morava com os pais no bairro de San Telmo, em Buenos Aires. Entre 1964 e 1973 ela não cresceu um centímetro ou envelheceu um dia, mas viu sua mãe engravidar e dar à luz a seu irmão Guille.

Raquel era uma típica dona-de-casa e o pai, Pelicarpo, um corretor de seguros que amava suas plantas e tinha crises de meia idade, que naqueles longínquos tempos, começava aos 35.

Seus amigos eram a patricinha Susanita, o sonhador Felipe, o capitalista Manolo, o pequeno e incontrolável Miguelito, a libertária Libertad e seu animal de estimação, a tartaruga Burocracia.

Amava os Beatles, Pica-Pau, odiava sopa e fazia perguntas desconcertantes a seu globo terrestre. Questionava o noticiário, seus pais, seus amigos e o próprio leitor.

Umberto Ecco dizia que ela era “uma heroína zangada, que não aceita o mundo como ele é”, e quando perguntaram a Julio Cortázar sua opinião sobre ela, o autor de O Jogo de Amarelinha respondeu: “não importa o que eu acho de Mafalda, mas o que ela acha de mim”.

 

Marcos Kimura http://www.nerdinterior.com.br

Marcos Kimura é jornalista cultural há 25 anos, mas aficionado de filmes e quadrinhos há muito mais tempo. Foi programador do Cineclube Oscarito, em São Paulo, e técnico de Cinema e Histórias em Quadrinhos na Oficina Cultural Oswald de Andrade, da Secretaria de Estado da Cultura.

Programa o Cineclube Indaiatuba, que funciona no Topázio Cinemas do Shopping Jaraguá duas vezes por mês.

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