A vida toma seus rumos, seja pelas variáveis que for, e isso nos afasta de muita coisa – algumas boas, outras ruins. A vida adulta chega, os boletos vão se empilhando, 20h já começa a ser quase madrugada e o chuveiro fica pequeno para acobertar tantas lágrimas durante o banho. Hoje, aos 30, balada de verdade é assistir seriado no Netflix com fone de ouvidos pra não acordar o bebê.
Uma das coisas que a vida adulta me tomou foram as fantasias – por isso lhe peço, vida, devolva-me as… bom… Outra coisa que a vida fez com que eu me distanciasse foi o convívio em círculos mais fanáticos – sejam no futebol, na música e até no mundo otaku, do qual eu já fui integrante. E essa espécie de illuminati oriental nos deixa marcas profundas, que por mais que busquemos nos esquecer, vez ou outra insistem em nos tocar à alma. E no último dia 8, um homem bateu em minha porta e eu A-BRI: era o fantasma do meu passado me convidando para revisitar o Anime Friends, maior evento relacionado à cultura pop japonesa da América Latina, mais de 10 anos após minha última visita.
E foi com medo que saí de casa para quando o sol ainda não havia sequer dado as caras: não era medo de ser assaltado, agredido, de que o evento fosse ruim ou algo do tipo. Seria medo de gostar daquilo tudo novamente? Seria medo de voltar a subir em um palco para cantar músicas tema de algum anime ou tokusatsu? Ou talvez fosse só medo de me atrasar e perder o ônibus de volta para o interior e ser forçado a dormir ao relento, onde nem mesmo os moradores de rua se sentiriam bem com minha presença.
Após uma viagem tranquila (onde fui agredido cerca de 300 vezes por uma criança no colo de sua mãe na poltrona ao meu lado), cheguei ao coração econômico do nosso país, e tratei de me encaminhar diretamente para o novo local em que a Yamato Cultural realizou o evento – me recordo que quando fui, O Anime Friends era realizado em uma faculdade, um espaço que parecia gerar reclamações por parte de muitos dos frequentadores. Em 2017 tudo ficou maior, e assim havia de ser o espaço: o Transamerica Expo Center é um pavilhão de exposições gigante, que acomodou muito bem a tsunami de fanáticos por Naruto, Dragon Ball Z, Faustão e tudo mais relacionado à cultura japonesa. É, talvez o Faustão não seja muito japonês, mas quem não gosta dele, não é mesmo?
Nas proximidades do pavilhão (que é bem localizado, a cerca de 5 minutos da estação de metrô de Santo Amaro) já pude perceber aqueles seres que por anos atormentaram meus pesadelos: os otakus, os cosplayers, e os aproveitadores que tentam enganar as pessoas vendendo revistas velhas com a desculpa de que são estudantes e precisam “de um dinheirinho para pagar o trabalho de conclusão do curso”. E aqui abro um parentese: TEM QUE SER MUITO IDIOTA PARA CAIR NO PAPINHO FURADO DESSES CARAS igual eu caí. Me senti o Boça quando cheguei em casa, retirei o plástico da revista e vi que haviam colado uma etiqueta com data e valor novos em cima dos antigos. Paguei R$10 numa revista que acreditava custar R$20, e que na verdade custava R$6. Fiquei cabrêro, meo.
Mas vamos ao que interessa: cheguei ao evento e uma fila enorme recepcionava os aficionados pela cultora pop oriental. Não foi o caso da imprensa, uma vez que rapidamente fomos credenciados e tivemos acesso às instalações.
Logo de cara me espantou o tamanho do espaço: muito grande, evitando aquele famoso efeito “ônibus das 18h”, que gera um desconforto e impede qualquer um de se locomover tranquilamente. Mas ao mesmo tempo que o espaçoso local se demonstrou vantajoso, serviu de labirinto em alguns momentos – em especial quando era necessário caminhar de uma extremidade para a outra. Haviam indicações pelo pavilhão todo, alguns mapas, mas que ao meu ver não foram suficientes para sinalizar bem todos os standes, espaços e atrações – e não é só porquê eu fui enganado na porta do evento que eu não sabia andar lá, conversei com muitas pessoas que devem ter um intelecto mais elevado que o meu e a reclamação era até que comum.
Aliado à isso, a falta de staffs ou qualquer pessoa da organização era desoladora em alguns momentos – como quando eu quis ir pela primeira vez ao banheiro e quase optei por urinar em minha roupa e dizer que era um cosplay de alguém com incontinência urinária. Os poucos que foram avistados durante minha longa estadia ou estavam participando de brincadeiras, ou usando de seu status para angariar galanteios para com as jovens. Sim, triste. E já não é de hoje que noto essa certa falta de comprometimento de parte dos staffs que deveriam atender ao público – é claro que a maioria está lá trabalhando “por trás das cortinas” para que o evento aconteça, mas lá em minha tenra idade quando fui ao Anime Friends me lembro bem que parte da equipe de organização parecia esquecer que estava ali a trabalho.
Após a confusão inicial fui buscar os eventos principais e me programar para o que fazer naquele que seria um longo dia – eram 11h, eu já estava com fome, e como todo bom velho precoce, já estava cansado e propenso a resmungar e reclamar de tudo.
Logo de cara me interessei em acompanhar o Beco dos Artistas, que é o espaço dedicado aos desenhistas e artistas de quadrinhos/mangás – havia muita coisa bacana por lá. Artistas como Cris Nikolaus, Adler Daré, Cah Poszar, Paulo Crumbim e Cristina Eiko, Fábio Catena, Rodney Buchemi e o ator/roteirista Felipe Folgosi vendiam suas obras, sketchs e demais materiais.
Em seguida fui ver as áreas com stands de vendas em geral – de bonequinhos à camisetas, de canecas à bonecos funko, de chaveiros à toucas, haviam possibilidades de se gastar dinheiro com quase todo tipo de presentinho que um fã de cultura pop poderia querer. As grandes editoras de mangá e quadrinhos (JBC, Panini, Devir, NewPop) estampavam promoções com descontos que faziam os sinos do capitalismo badalarem ferozmente. Não consegui sair de lá sem alguns posteres e camisetas – além daquela revista que eu comprei lá fora do evento, que toda noite ri da minha cara dentro da gaveta onde a guardei.
Depois de deixar as cuecas como garantia de pagamento de minhas compras, me direcionei para um dos mais aguardados e interessantes eventos do dia: o Jiraya estaria entre nós – e não era o Yudi Tamashiro. Takumi Tsutsui, famoso intérprete do ninja mais querido dos tokusatsus mundiais veio ao brasil para contar algumas histórias curiosas sobre o personagem, participar de algumas brincadeiras e esbanjar simpatia para com os fãs brasileiros – além de demonstrar que os orientais nunca envelhecem. Claramente muito a vontade, Tsutsui fez a alegria da velharada do evento, enquanto ao lado, o meet and greet com uma banda de K-Pop gerava gritos histéricos que mal nos permitiam ouvir o que o Jiraya falava conosco. Poxa Yamato, numa próxima, busquem colocar esses dois tipos de eventos um pouco mais distantes um do outro para que não se choquem como foi.
Ainda deu pra ver um pouco dos malucos (dos quais eu já fiz parte) cantando no animekê, da galera do concurso de cosplay, da apresentação de taiko (aqueles tambores gigantes de madeira) cujos integrantes se apresentaram em meio à feira, o que trouxe uma dinâmica muito interessante à essa apresentação. Deu pra ver o final do debate do pessoal do Crunchyroll, que para quem não sabe é um serviço de streaming, semelhante ao Netflix, mas com foco exclusivo em animes e que realiza transmissões simultâneas às originais, do Japão. E ainda foi possível ver um trecho da apresentação da banda Animadness, que mandou bem em alguns covers de músicas de… advinhem: MPB e Jazz Fusion! Não… na verdade, mandaram suas versões de músicas de abertura e encerramento de animes.
Uma volta mais rápida pelo evento do que um hand spinner, e cá estava eu de volta ao mesmo auditório para ver os dubladores de Homem-Aranha: De Volta ao Lar – Marco Ribeiro e Wirley Contaifer, respectivamente as vozes de Tony Stark/Homem de Ferro e Peter Parker/Homem-Aranha, estavam muito descontraídos durante o encontro com os fãs, enquanto respondiam dúvidas sobre suas carreiras, os desafios da dublagem no Brasil e o mais recente filme do amigão da vizinhança. Foram atenciosos o tempo todo com as crianças, uma emocionada mamãe e com cosplayers dos personagens que dublaram em Homecoming. Infelizmente as filas que se formavam para uma rápida conversa tanto com os dois, quanto com o Jiraya não eram nada convidativas, ainda mais se levando em conta que havia um dia todo de evento para ser coberto – e de banheiros para serem descobertos.
Também vi lá na feira, em primeira mão (?) a demo jogável de Dragon Ball FighterZ, novo jogo de luta da franquia, produzido pela Arc System Works (Guilty Gear), trazido à feira pela Bandai Namco. Tanto os visitantes que experimentaram o jogo no Xbox One, quanto eu que também joguei duas partidas, pudemos sentir um gostinho do que está por vir: gráficos muito bonitos em cell shading, jogabilidade ágil e veloz, o que faz jus ao anime – que não poderia ter escolhido evento melhor para ser apresentado ao público. A versão disponível é uma build em estágio bem inicial, com poucos personagens, mas que levantou e muito o interesse pelo jogo, mesmo de minha parte, que nunca fui fã de jogos de luta – tanto não sou que nas duas partidas que joguei, em ambas fui humilhado de maneira exemplar. Só não foi humilhação maior do que aquela revista que comprei lá fora do evento, sabe?
A Editora Panini apresentou uma retrospectiva de seus últimos lançamentos, do ano de 2016 e 2017, e apresentou também 5 novos títulos que pretende lançar em breve – tudo isso voltado para o mercado de mangás, onde hoje, a empresa é talvez o maior catálogo do Brasil.
Aí acompanhei outro momento deveras interessante do evento: se lembram quando disse que um momento envolvendo uma banda de K-Pop, (que é o pop coreano – da Coréia do Sul, agora podem tirar da sua cabeça o Kim Jong-un cantando com auto tune e fazendo coreografias sincronizadas e sensuais em roupas curtas) causou grande comoção entre as jovens do recinto? Pois bem, às 17h30 o palco principal do Anime Friends recebeu o Blanc7, banda que eu jamais ouvi falar em minha vida, mas que atraiu uma multidão de jovens (em especial garotas com cordas vocais muito potentes e estridentes) para sua apresentação. Falaram com o público e responderam questões do Twitter ao vivo, com ajuda de intérpretes; receberam presentes; fizeram elogios à comida brasileira e ao refrigerante de guaraná (!); teve integrante dançando break, outro tocando bateria, teve bastante playback, muito efeito de luz (inclusive vindos da plateia). Foi uma exibição interessante do ponto de vista técnico, bem arquitetada e tudo mais. Mas a gritaria das fãs, meus amigos: a gritaria! Coisa que todo senhor de idade que se preze, como eu, já não entende mais.
Rolou também uma palestra “A obra Angus, guerra e paz no universo medieval” com Orlando Paes Filho falando sobre seus livros, o universo em que estão inseridos e sobre temática medieval num todo. Enfocou bastante a questão da Igreja nesse período, especialmente respondendo questões da platéia, esvaziada por conta dos shows. Também adiantou que sua próxima série de livros ainda habitará esse período histórico, mas vai abordar a cavalaria.
Já com o fim do evento se aproximando, subiu ao mesmo palco a trupe do MdM, um dos mais antigos blogs/podcasts de quadrinhos do Brasil, pra trazer um pouco da característica bagunça que costumam ser os programas ao evento. Algumas piadas, ofensas gratuitas, palavrões, papo sobre quadrinhos, mangás… nada de novo para o “maior blog de quadrinhos do Brasil em 2007”.
As energias (e o dinheiro) já haviam se esvaído – não só de minha parte, pois o que mais se via pelo evento às 19h30 eram pessoas caídas pelo chão, deitadas umas nas outras, tentando carregar um amigo nos ombros… Pois um dos momentos mais aguardados do Anime Friends desse ano estava chegando: o Asian kung-Fu Generation é uma das bandas japonesas mais conhecidas aqui no Brasil, muito por “culpa” de terem tocado algumas aberturas de animes famosos, como Bleach e Naruto. A grande maioria do público ansiava pelo show deles, sendo esta a segunda passagem da banda aqui em território tupiniquim. E o show parece ter cumprido todas as expetativas – simples, enquanto produção, foi mais do que eficiente tecnicamente. Levantou bem o público, em especial quando das canções mais populares – sendo o ápice da apresentação a música Haruka Kanata, famoso encerramento de Naruto, tocada pela primeira vez por aqui. Uma apresentação que fez até aquela canseira e estado de letargia anterior desaparecer no pavilhão cheio.
E tal qual o Seiya de Pégaso, retirei energias de meu cosmos para ir embora, pois o evento havia terminado. A saída era tranquila, e mais uma vez a boa localização foi favorável: foi bem tranquilo voltar pra casa. Deu pra conversar com algumas pessoas no metrô, e a satisfação parecia ser geral. Parece que eu havia saído ileso – embora tenha me divertido bastante nesse dia, o espírito otaku não voltou a assombrar meus sonhos.
No fim das contas o saldo foi bem positivo: uma gama bem variada de opções, pra todos os gostos, mas que poderia ser mais bem distribuída dentro dos horários para evitar alguns conflitos. O novo local onde o evento foi organizado é muito bom, recebeu a grande quantidade de visitantes muito bem, acomodou todos os expositores de maneira tranquila. Só ficam aquelas pequenas ressalvas quanto às informações dentro do próprio evento.
Assim, ano que vem espero voltar ao Anime Friends, agora sem aquele medo que estava sentido no começo do dia – meu único medo vai ser encontrar aqueles vendedores de revistas, que usam seus poderes psíquicos para me manipular e se tornarem milionários às custas de pessoas bondosas de coração feito eu.
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