Florence Pugh (Adoráveis Mulheres, Midsommar, Viúva Negra) é uma das melhores atrizes de sua geração, e O Milagre, da Netflix, comprova isso. Dirigido pelo chileno Sebastián Lelio (vencedor do Oscar de Filme Estrangeiro com Uma Mulher Fantástica), o filme se passa logo após a Grande Fome da Irlanda, que matou um milhão de fome e fez com que outro milhão migrasse para a América. O roteiro é baseado em um romance de Emma Donaghue (O Quarto de Jack), que assina o roteiro ao lado do diretor Lelio e de Alice Birch (Lady Macbeth, também com Florence Pugh).
A estrela do recente Não se Preocupe, Querida é Lib Wright, uma enfermeira inglesa, veterana da Guerra da Criméia, que é contratada por uma comissão de notáveis uma vila irlandesa para acompanhar uma menina, Anna (Kíla Lord Cassidy), que alega não se alimentar há meses, sendo tratada como santa pela população local. Ela deve vigiá-la num rodízio com um freira católica a fim de comprovar ou não o milagre.
Enquanto assiste a garota definhar sob o olhar complacente da própria família, Lib convive com os próprios fantasmas, que ela combate com láudano, um medicamento à base de álcool e ópio, muito popular no século XIX e altamente viciante.
Na única hospedagem do vilarejo, ela conhece o repórter Will Byrne (Tom Burke, o Orson Welles de Mank), que trabalha em Londres mas é oriundo da mesma comunidade onde a ação acontece. Ele representa o nascente jornalismo popular em busca do sensacionalismo para atingir as massas.
A construção da ação é notável, contrastando o ambiente da Revolução Industrial em Londres com a miséria rural da Irlanda; o treinamento médico mais avançado da época com as superstições católicas; o acesso ao alimento com a fome congênita. Lib acaba desvendando o mistério do manah que, segundo Anna, cai do céu para alimentá-la, ao mesmo tempo que um terrível segredo se esconde por trás do martírio da menina.
A solução pode parecer forçada, assim como o empoderamento que seria incomum no Reino Unido vitoriano, mas o filme já começa nos alertando que tudo é uma construção do século XIX, e que o escapismo acaba se tornando uma forma de dar um final satisfatório a uma tragédia que era comum na época em que ela se passa. Como toda obra de arte, diz mais sobre o período em que é produzido do que naquele em que a ação acontece.
Coadjuvantes importantes do cinema britânico fazem participações, como Toby Jones (Capitão América: O Primeiro Vingador), Ciáran Hinds (o melhor Julio Cesar do audiovisual em Roma) e Dermott Crowley (Luther), mas é um veículo para Florence Pugh mostrar seu talento e personalidade e mais um passo para Sebastian Lelio se consolidar no mercado internacional, ainda que seu belo Desobediência tenha sido inexplicavelmente ignorado pelas premiações e crítica.
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