Review | Os Irregulares de Baker Street (Netflix)

Entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, Sherlock Holmes foi uma poderosa franquia que, como os heróis da Marvel, saiu do papel e foi para o cinema com grande sucesso, a ponto de sua frase mais famosa – “Elementar, meu caro Watson” – ter surgido na tela grande e não nos livros.

A força do detetive da Baker Street 221b se mantém forte neste novo milênio, com a vantagem de grande parte dos textos ter caído em domínio público. Os irregulares de Baker Street são citados nos dois primeiros romances como um grupo de meninos de rua que são contratados para ir a lugares onde dois cavalheiros como Holmes e seu parceiro John Watson não poderiam passar despercebidos.

Essa tênue referência é o ponto de partida para a nova série da Netflix, Os Irregulares de Baker Street, que embora não vá agradar os fãs dos romances e contos de Arthur Conan Doyle, tem um bom ritmo e personagens que fazem a gente querer acompanhar a trama. Mas as ressalvas não param por aí.

A Inglaterra vitoriana da série parece herdeira da ambientação de Bridgerton, mais de meio século antes, na qual afrodescendentes poderiam ter títulos de nobreza. No sucesso da Shonda Rymes havia uma teoria histórica polêmica para sustentar essa possibilidade, que são indícios de que a rainha Charlotte teria sido negra.

Aqui, em plena Era Vitoriana, quando Rudyard Kipling escrevia sobre “o fardo do homem branco” de levar a civilização para os povos incultos, é ainda menos provável uma diversidade na nobreza do “Império onde o sol nunca se punha”.

Mitologia

A história é centrada no bando liderado por Bea (Thaddea Graham, de Carta ao Rei), sua meia-irmã Jessie (Darci Shaw, que faz a jovem Judy Garland em Judy: Muito Além do Arco-Íris), o briguento Billy (Jojo Macari, de Sex Education) e o malandro Spike (McKell David, de Snatch: Um Novo Golpe). A eles se junta o príncipe Leopold (Harrison Osterfield, de Catch 22), que foge de sua gaiola dourada onde é confinado por conta de sua saúde frágil.

Bea é contratada pelo doutor John Watson (o ator afrodescendente Royce Pierreson, também de Judy: Muito Além do Arco-Íris) para descobrir o paradeiro de recém-nascidos sequestrados. Aqui, neste primeiro episódio, temos a participação de Rory McCann, o Sandor “The Hound” Cleagane, de Game of Thrones.

O Sherlock e o Watson da série vão revoltar os puristas

Vários personagens da mitologia sherlockiana aparecem rapidamente na série, como Mycroft Holmes (Jonjo O’Neill, de A Balada de Buster Scruggs), inspetor Lestrade (Alan McArdle, de A Duquesa) e Mrs, Hudson (Denise Black, de Coronation Street), todos em versão muito diferente dos livros.

Tudo isso nos prepara para quando o desconstruído Sherlock Holmes (Henry Lloyd-Hughes, de The English Game) finalmente der as caras.

Se o clima sobrenatural tem pouco a ver com as aventuras do cerebral e realista detetive inglês, seu próprio criador, Conan Doyle, era obcecado pelo pós-vida. Talvez essa seja a justificativa para a série? Sei lá. O que é certo que o Baker Street do título é praticamente um click-bait, já que a produção tem muito pouco a ver com o Sherlock Holmes consagrado.

Com todos esses poréns, no entanto, os oito episódios são facilmente maratonáveis, desde que você abstraia as liberdades com o cânone literário e a história em si.

Recomendado, como diversão, com muitas ressalvas.

 

 

Marcos Kimura http://www.nerdinterior.com.br

Marcos Kimura é jornalista cultural há 25 anos, mas aficionado de filmes e quadrinhos há muito mais tempo. Foi programador do Cineclube Oscarito, em São Paulo, e técnico de Cinema e Histórias em Quadrinhos na Oficina Cultural Oswald de Andrade, da Secretaria de Estado da Cultura.

Programa o Cineclube Indaiatuba, que funciona no Topázio Cinemas do Shopping Jaraguá duas vezes por mês.

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