Review | 3%

Finalmente chega à Netflix a primeira série original brasileira sob sua batuta. A direção é do uruguaio radicado no Brasil, César Charlone, indicado ao Oscar de Melhor Fotografia por Cidade de Deus, e que também trabalhou em outras produções como O Jardineiro Fiel e Ensaio Sobre a Cegueira. A ideia da série já existia há anos, com um episódio piloto lançado em 2011 por Pedro Aguilera, que agora é um dos roteiristas.

A história é bem simples: em um futuro distópico, a sociedade se divide entre os escassos, que vivem no Continente ou “lado de cá”, e os fartos, que vivem no Maralto ou “lado de lá”. Ao completarem 20 anos, os jovens do lado escasso são submetidos a um processo altamente exigente com provas de raciocínio lógico e habilidades físicas onde apenas 3% deles serão selecionados para que possam seguir ao Maralto, onde há justiça, dignidade e fartura.

Tendo esta premissa como base, a série desenvolve sua história sem grande originalidade, ao ter elementos de Battle Royale e Jogos Vorazes na narrativa e também ao tratar de temas como a cobiça e individualismo, diferença de classes, além da distorção de valores éticos e morais, mas sem apelo emocional e sem muito mistério.

A série não perde tempo e sua história é bem dinâmica, trazendo oito episódios objetivos que não enrolam o espectador e vão direto ao ponto. Este é um dos poucos pontos positivos da série: ela é corajosa e não se limita, pena que isso não basta para que o trabalho final seja bom. Outra coisa bacana é a ideia dos flashbacks, que já vimos em Lost, mostrando a cada episódio um pouco de como cada personagem chegou ao Processo e quais são os seus ideais e motivos para estarem ali.

A partir do primeiro homicídio na história de Maralto, a capacidade do homem à frente do Processo, Ezequiel (João Miguel), é colocada em xeque, e um dos conselheiros do Maralto envia a enigmática e sexy Aline (Viviane Porto) para supervisioná-lo e seguir seus passos. Viviane Porto está ótima em seu papel e consegue passar com convicção o ar de mistério e de manipuladora necessários para mostrar ameaça a Ezequiel. João Miguel, por outro lado, infelizmente decepciona, não passando de um personagem apático que não convence a nenhum momento. A culpa não é só dele: o ator foi “sabotado” pelo roteiro, com frases fracas e diálogos péssimos.

Aliás, os diálogos e atuações são o calcanhar de Aquiles da série. Os atores parecem por muitas vezes robôs lendo suas falas, com todos os “pingos nos i’s” e vírgulas necessárias, soando forçados, e o roteiro tropeça nas próprias pernas por diversas vezes, ao dar soluções muito convencionais à história.

Os pontos fracos não param por aí, outra coisa que incomodará os mais críticos é a câmera amadora, com cortes e zooms bruscos que não tem real motivo para acontecerem, tentando conferir certo dinamismo e emoção à situação – que não acontece – e em alguns casos chega a gerar o efeito contrário.

O figurino dos moradores do Continente é de causar vergonha alheia, já que essas pessoas vivem na mais pura miséria, onde faltam alimentos, água e qualquer outra coisa que lhes dê uma condição de vida digna e o mais certo seria usarem peças de roupas muito surradas, ou até mesmo outros itens para encobrir seus corpos. Porém, eles se apresentam com roupas praticamente novas, apenas manchadas de sujeira e com rasgos que foram feitos à tesoura e não com o tempo.

O visual do Continente também é muito pouco explorado, vemos poucas cenas do local, que trazem apenas uma ideia de uma grande favela cercada por ruínas, não sabemos onde é, nem quantas pessoas restam, afinal, já são 100 anos vivendo pauperrimamente e, além disso, é difícil acreditar que ainda há esperança naquele local depois de tanto tempo.

Falando dos personagens, alguns ganham maior destaque, como Joana (Vaneza Oliveira), que é a mais bem trabalhada e desenvolvida pelo roteiro, e o cadeirante Fernando (Michel Gomes), um personagem que não é sabotado pelo roteiro. Bianca Comparato, que interpreta a aparente protagonista Michele, é mais uma que parece estar no piloto automático e não entrega uma atuação digna da importância de sua personagem. Rodolfo Valente, que interpreta o ambíguo Rafael, é fraquíssimo e tem as piores falas.

Resumindo, a série provavelmente contou com um orçamento baixo e não conseguiu entregar um trabalho primoroso em qualidade técnica, porém é sabido que não é necessário apenas isso para entregar um resultado agradável. Os atores, em sua grande maioria, estão péssimos, incomodados e não convencem – ironicamente, uns 3% se salvam. Atores mais conhecidos do público como Zezé Motta e Sérgio Mamberti são conselheiros do Maralto e são muito mal aproveitados pelo roteiro, podendo ser substituídos por qualquer outro ator, sem fazer nenhuma falta.

Caso haja a segunda temporada, é necessário que todas as pontas soltas sejam resolvidas com maior competência e que também o casting de atores seja melhor dirigido. Caso contrário, a série estará fadada ao fracasso. Isso é, se já não está.

Angelo Cordeiro

Paulistano do bairro de Interlagos e fanático por Fórmula 1. Cinéfilo com obsessão por listas e tops, já viram Alta Fidelidade? Exatamente, estilo Rob Gordon. Tem três cães: Johnny, Dee Dee e Joey, qualquer semelhança com os Ramones não é mera coincidência, afinal é amante do bom e velho rock'n'roll. Adora viajar, mas nunca viaja. Adora futebol, mas não joga. Adora Scarlett Johansson, mas ainda não se conhecem. Ainda.

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2Comentários

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    • 2
      Angelo Cordeiro

      Pois é, Tomas. Infelizmente a expectativa foi por água abaixo já no primeiro episódio. Apesar dos pesares ainda acredito que a história possa ser salva se melhor executada na segunda temporada. Vamos aguardar.

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