Antes mesmo do filme começar, entre os trailers estava mais uma produção nacional prestes a estrear no qual um desacreditado na vida tornava-se rico de uma hora para outra, tendo que conviver com uma nova realidade. Aliás, este roteiro parece ter sido vendido em lote, conferindo aos roteiristas extras apenas a tarefa de garantir diferentes nuances. Mais do mesmo.
Já que é para falar de opostos, Desculpe o Transtorno chega aos cinemas para comprovar que toda fórmula pode se tornar um passatempo agradável, sem personagens gritando, buscando para si mesmo todo destaque que pensam merecer. Escrito por Célio Porto e Tatiana Maciel, com redação final de Adriana Falcão, e dirigido por Tomas Portella (Operações Especiais e Isolados), a comédia romântica é repleta de estereótipos e clichês, mas parece se divertir com eles e não transformá-los em algo ofensivo.
Eduardo (Gregório Duvivier) é um jovem paulista que leva uma vida pacata, metódica e convencional. Após uma notícia inesperada, ele viaja ao Rio de Janeiro e as lembranças da infância trazem à tona o seu “outro eu” Duca, um cara extrovertido e bastante inconsequente. Diagnosticado com dupla personalidade, Eduardo embarca em uma perseguição de gato e rato com Duca, que se diverte desmascarando a falta de autenticidade em tudo que Eduardo já viveu.
Duca foge de São Paulo, atrapalha o noivado falido de Eduardo com a controladora Viviane (Dani Calabresa), põe em risco seu tedioso emprego na firma do pai e, para desespero de Eduardo, acaba com a mediocridade de sua própria vida. Enquanto Eduardo tenta, com a ajuda dos amigos Marceleza e Charles (Rafael Infante e Daniel Duncan), encontrar sua verdadeira identidade, Duca curte a vida e acaba se apaixonando perdidamente pela extrovertida Bárbara (Clarice Falcão).
Com estereótipos bem definidos para o paulista e o carioca, Desculpe o Transtorno acirra a rixa entre as capitais, mas sem perder o bom humor. Enquanto busca uma solução para sua tediosa vida, Eduardo/Duvivier encarna duas figuras distintas, mas separadas apenas por olhares e trejeitos, além de condutas completamente contrárias.
Nesta busca por seu verdadeiro eu, Eduardo é atormentado pela patricinha controladora encarnada por Dani Calabresa, enquanto se apaixona pela insegura, porém encantadora, Bárbara. Ao mesmo tempo, precisa lidar com um trauma de infância, que serve como catalisador de sua mudança de personalidade, potencializado por uma triste notícia, que o faz encarar tudo que deixou para trás.
Alternando bons momentos – como a terapia em grupo com parte do elenco do Porta dos Fundos – com outros pouco inspirados, ainda assim Desculpe o Transtorno “conversou” com este que vos escreve, em uma empatia quase instantânea. Até agora, porém, não sei dizer se sou mais Eduardo ou Duca, mas ao final, fica a lição: precisamos encarar a vida com menos seriedade. Como diz a personagem de Clarice Falcão: “Quanto mais crescemos, menores ficamos” (ou algo do tipo, não lembro exatamente).
Linguagem
Ao contrário da maioria das comédias nacionais, que parecem uma extensão do que é feito na televisão, em um padrão global (leia-se Rede Globo) de qualidade, Desculpe o Transtorno traz uma montagem próxima da atual linguagem publicitária, mostrando que dá para fazer diferente.
Para o diretor Tomas Portella, é importante evitar um esgotamento do gênero. “Acho que esse gênero não vai esgotar nunca, as pessoas querem ir para o cinema dar risada. O que vai ter que mudar um pouco é a cara da nossa comédia, ela vai ter que encontrar nichos dentro da própria comédia” ressalta. “É um pouco o que estamos fazendo. Vai continuar a ter comédia rasgada, mas a comédia vai ter que sofisticar um pouco porque o público está mais exigente”.
Observação: Desculpe o Transtorno é também um exercício em família. A roteirista Tatiana Maciel e a atriz Clarice Falcão são filhas da também roteirista Adriana Falcão.
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