Em meio a muitas comédias de sucesso, a cinebiografia é um dos gêneros que mais funciona no cinema nacional. Cazuza, Tim Maia, Gonzaga – De Pai pra Filho e 2 Filhos de Francisco são exemplos recentes de filmes que usam o potencial do biografado para atrair a plateia. A vida de artistas sempre foi um grande atrativo e por isso o relato na telona chega com grande expectativa. A dramatização da vida de alguém conhecido consegue facilmente conectar o espectador com o filme. E num país com grandes e importantes artistas, o que não faltam são personagens disponíveis para uma empreitada nas telas. Considerada a maior cantora do Brasil, Elis Regina tem agora uma tardia reconstrução de sua vida, mas a demora pelo menos vale a pena.
Antes, é preciso deixar claro que a cinebiografia depende muito da mão de seu diretor. Uma mesma história pode ser contada de diversas formas, uns escolhem retratar a vida toda do biografado, outros somente determinados períodos ou acontecimentos mais marcantes. Hugo Prata, diretor deste filme, começa a contar a história de Elis a partir dos anos 60, com sua chegada ao Rio de Janeiro junto do pai e segue de forma linear até sua morte trágica em 1982.
O filme começa com Elis então garota, construindo sua brilhante carreira, que seria marcada por altos e baixos, desentendimentos e casamentos frustrados, mas também com parcerias imprescindíveis para a interpretação de grandes clássico da MPB, que começava ali.
Elis não queria ser mais uma Nara Leão, não era de seu interesse cantar bossa nova em um banquinho. Elis era explosiva, determinada, cantava com o peito, por isso começou a chamar a atenção e logo se transformou numa estrela. Depois de sua adaptação e sucesso no Rio de Janeiro, a cantora alçava voos mais altos, ganhando notoriedade, sem perder a autonomia, fazendo aquilo que queria e que achava significativo.
O roteiro destaca as passagens mais conhecidas da vida de Elis. Acompanhamos seu conturbado casamento com Ronaldo Bôscoli, pai de seu primeiro filho, que é mostrado no filme como um mulherengo incorrigível. A explosiva relação do casal também serve para o início da reinvenção de Elis. Surgem em sua vida pessoas importantes da época como Miele, Nelson Motta e Jair Rodrigues, amigo e parceiro no programa O Fino da Bossa, sucesso na TV. Todos fazem parte da construção da cantora, que sempre apresentou brilho próprio.
Outro importante recorte do filme é mostrar Elis se expressando em plena ditadura militar, vendo amigos sendo exilados e tendo que aceitar fazer coisas que iam contra seu caráter. A passagem mais marcante dessa época se dá quando a cantora, temendo pela sua vida e a do filho, é obrigada a cantar em um evento para os militares. Elis é massacrada numa charge do Pasquim feita por Henfil. Magoada, a cantora, assim como seus amigos, vê sua pátria passar por um terrível momento sem poder fazer nada, a não ser cantar poucas canções liberadas pela censura.
A relação com Cezar Mariano vem em seguida. Elis agora é mãe de mais duas crianças, e é a maior cantora do Brasil e também começa a apresentar grandes vícios que a levariam embora cedo demais.
Mesmo pontuando a vida de Elis, a história não se aprofunda muito, algumas passagens são rápidas demais, alguns desdobramentos não convencem, parecendo que um registro mais contundente e outros detalhes não seriam precisos para apresentar a personagem já tão conhecida. A narrativa convencional, não abre mão de clichês incômodos, como por exemplo, quando usa uma trilha sonora dramática com toques de terror para deixar claro que Elis está sendo perseguida pelos militares e sua vida corre perigo. O mesmo artifício é usado na reconstrução de sua morte, a cena é apressada e manipula muito o expectador, falta delicadeza e emoção.
Os grandes destaques ficam por conta das canções atemporais que permeiam todo o filme o deixando extremamente musical e o que cada música significava para Elis e o momento que estava passando, e sem dúvida o trabalho magistral de Andréia Horta, premiada em Gramado. A atriz, fã de Elis Regina desde criança, sempre quis interpretar a cantora e apresenta um desempenho mediúnico reproduzindo os trejeitos conhecidos da cantora, dando vida a suas canções. O filme usa a voz de Elis em todas as músicas executadas e consegue dessa forma homenagear ainda mais a cantora.
Mesmo depois de mais de 30 anos de sua morte, Elis continua viva em diversos segmentos e sua história continua sendo contada em musicais, livros, peças de teatro e especial de TV. Em 2018, vai virar série da Rede Globo, escrita por Gilberto Braga e dirigida por Dennis Carvalho.
A maior cantora do Brasil é apresentada para novas gerações de maneira competente, num filme bem comercial e atrativo. Para os já conhecedores de sua obra, impossível não se emocionar ou apenas se arrepiar com os acordes de cada canção, seguida da marcante voz da cantora. Enquanto houver música, existirá Elis.
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