Você é daqueles que sentem um pequeno infarto quando, ao assistir qualquer vídeo na internet, se deparam com uma propaganda da qual não é possível pular? Parecem ali os 30 segundos mais sofridos da história da civilização, não é mesmo?
Você questiona sua fé, se pergunta quais crimes cometeu contra humanidade para receber tal castigo, pensa até em ter que desviar o olhar daquela tela?
Exageros à parte, assistir uma propaganda indesejada não é das tarefas mais prazerosas, especialmente quando não é o seu objetivo – e longe de mim criticar a indústria da propaganda e do marketing, de onde vêm meu ganha pão, inclusive. Mas se eu quero ver algo, quero ver aquele algo que escolhi, certo?
Agora, pegue aquele cenário inicial de ódio e desolação e multiplique por 200 vezes. Foi o que senti ao me ver preso em uma grande peça publicitária mal feita da Amazon que é esta releitura de Guerra dos Mundos, lançada recentemente pela gigante de propriedade de Jeff Bezos.
Rapaz, que ódio desse “filme”.
Guerra dos Mundos em diferentes mundos
Antes de preencher minhas artérias com o mais puro ódio, vale relembrar que Guerra dos Mundos é, originalmente, uma obra literária. A Guerra dos Mundos, escrita por H. G. Wells e publicada pela primeira vez em 1897, é considerada um clássico da ficção científica, narrando a invasão de nosso singelo planeta por uma raça mais inteligente e belicamente superiora.
Um episódio bastante curioso envolvendo o livro é que, durante sua leitura, em formato de dramatização, num programa de rádio norte-americano, o caos foi instaurado na população local.
Em 30 de outubro de 1938 a rede de rádio CBS (Columbia Broadcasting System) interrompeu sua programação musical para noticiar uma suposta invasão de marcianos. No entanto, aquela “notícia em edição extraordinária” era só a leitura e interpretação do livro.
Só que um estrago e tanto foi feito e o povo da terra da liberdade entrou em pânico, acreditando no que ouvia na rádio.
Engraçado imaginar que houve uma época em que as pessoas acreditavam em qualquer coisa que ouviam ou viam por aí, sem qualquer raciocínio ou fact-checking, e saíam apavorados espalhando essas “mentiras”, com o simples objetivo de desencadear ainda mais medo e desespero… Enfim.
O livro fez tanto sucesso que foi adaptado para a TV e para as telonas. A versão mais conhecida foi lançada há exatos 20 anos e contava com Tom Cruise, sob a direção de Steven Spielberg, na boa adaptação intitulada Guerra dos Mundos. Imagino que você tenha gritado de surpresa, tal qual fez Dakota Fanning durante todo aquele filme.
Chegamos a 2025 e a Prime Vídeo decidiu recontar a história clássica, sob uma nova perspectiva: a de um funcionário da inteligência dos EUA, que passa a acompanhar essa invasão alienígena por câmeras de controle, imagens de celular e vídeos compartilhados.
Até aí, nada demais, afinal, a premissa soa interessante e poderia revigorar uma história já bastante conhecida. Mas nós sempre subestimamos a capacidade humana de estragar coisas boas e nos entregar toneladas de entulho e lixo radioativo goela abaixo.
Esse filme me fez torcer por uma invasão alienígena
Caso não tenha ficado claro ainda, esse filme me ofendeu pessoalmente de tão ruim que é. Aqui, tudo é mal feito. Diferente de um filme B, que não se leva a sério, entende suas limitações e brinca com elas em nome da diversão, esta película aqui se leva a sério demais, enquanto não consegue estabelecer laços afetivos.
O que temos aqui é uma “obra” que lembra, na sua abordagem, o filme Buscando…, onde as buscas de um pai pela filha desaparecida são feitas pela tela de um PC. No entanto, aqui, é como se tudo fosse feito em um falecido 486, por alguém que não sabe usar um computador. Ou fazer um filme. Ou respeitar a humanidade.
E olha que o que não faltam aqui é investimento e até bons nomes no elenco, claro. Além do protagonista vivido por Ice Cube… isso mesmo: você acompanha um filme todo sob a ótica de Ice Cube que, por mais carismático que seja, não consegue entregar muito mais do que um pai de família rabugento que só quer tirar umas férias enquanto se irrita com alguma confusão de seus filhos adolescentes (já vi uns dez filmes com ele nesse papel). Parece um react, desses que há aos montes na internet. Mas um bem ruim.
Fazem parte desse crime cinematográfico nomes como Eva Longloria, Clark Gregg e o diretor novato Rich Lee, a quem pretendo acompanhar de perto a carreira para nunca mais ter que assistir algo seu.
Olha, aqui é tudo mal-executado: da montagem, feita de qualquer maneira, que simplesmente vai jogando vídeos em nossa frente, até à direção inexistente de atores e câmeras e os efeitos especiais dignos de The Asylum.
As coisas vão acontecendo, sem muita explicação, enquanto somos obrigados a assistir Ice Cube balbuciar. Uma hora, ele é banido dos sistemas do governo, mas um hacker consegue invadir tudo, e nunca é pego. Em outro momento, suposições tiradas do nada levam a resoluções, embebedadas em muita conveniência de roteiro.
Ao fim das intermináveis uma hora e 29 minutos de duração desse comercial estendido dos serviços de entrega da Amazon, me senti agredido. Tal qual Ali, apanhando por diversos rounds de um Geroge Foreman mais novo e violento. Só que eu não consegui sair das cordas ou reagir.
Ao final, só me veio a cabeça o seguinte questionamento: será que, lá na década de 30, onde o cinema ainda não era popularizado, se essa coisa aqui fosse exibida as pessoas ao invés daquela fatídica transmissão de rádio, o caos não teria sido ainda maior?
Afinal, imagine evoluir enquanto tecnologia, sociedade e tudo mais, para no fim das contas, produzir semelhante tragédia sob a alcunha de entretenimento?
Guerra dos Mundos está disponível na Prime Video, CUIDADO!