Após o sucesso avassalador de It: A Coisa – o filme de terror de maior bilheteria da história – o público aguardou ansioso pela segunda e conclusiva parte desta adaptação de uma das obras mais famosas de Stephen King. A ansiedade era tão grande que semanas após a estreia do primeiro filme muitos já conjecturavam quem seriam os atores que interpretariam as crianças na fase adulta. O buzz em torno dos nomes de James McAvoy (Fragmentado) e Jessica Chastain (A Hora Mais Escura) para interpretarem Bill e Beverly, respectivamente, se concluiu, mas em It: Capítulo Dois, quem rouba a cena é Bill Hader (da série de TV Barry) no papel de Richie, trazendo um tom cômico que encaixa perfeitamente na proposta.
Vinte e sete anos depois do Clube dos Losers derrotar Pennywise (Bill Skarsgård), ele volta a aterrorizar a cidade de Derry. Agora adultos, os Losers há muito tempo seguiram caminhos separados. No entanto, as crianças estão desaparecendo novamente, então Mike (Isaiah Mustafa), o único do grupo a permanecer em sua cidade natal, chama os outros de volta para casa. Traumatizados pelas experiências de seu passado, eles devem dominar seus medos mais profundos para destruir Pennywise de uma vez por todas.
Para superar o sucesso do primeiro filme, ou ao menos se aproximar dele, o diretor Andy Muschietti aposta no grandioso, a começar pela duração de duas horas e 40 minutos, que assusta por fugir aos padrões dos blockbusters e dos filmes de terror contemporâneos, mas basta olhar para o livro de Stephen King e compreender a complexidade de se adaptar para as telonas uma obra tão rica em detalhes. O roteirista Gary Dauberman (um dos co-roteiristas do primeiro It: A Coisa e roteirista da trilogia Annabelle, inclusive dirigindo o último filme da boneca demoníaca) entende que é imprescindível nos apresentar paulatinamente aos personagens na fase adulta, e Muschietti passa mais da metade do longa com foco em seus traumas, mas sem conseguir se aprofundar muito neles.
Losers
Assim como feito na primeira adaptação da obra – o telefilme de 1990 intitulado It: Uma Obra Prima do Medo – aqui Muschietti segue uma estrutura protocolar de nos envolver com o elenco adulto separadamente, não só uma vez, mas duas: logo de início, assim que Mike os chama de volta a Derry e quando eles retornam à cidade e devem se separar novamente para efetuarem uma tarefa pessoal.
Primeiramente conhecemos superficialmente seus trabalhos, suas famílias e seus relacionamentos, tudo de maneira breve o suficiente para que tenhamos em mente que os Losers seguiram refletindo seus traumas de infância na vida adulta – Beverly vive um casamento com um homem abusivo – na infância era o pai -, Eddie (James Ransone) se casa com uma mulher idêntica a sua mãe, sem falar nas frustrações de Bill com o final dos romances que escreve – o que acaba virando uma piada constante – e de Ben (Jay Ryan) por não ter se declarado a Bev – essa superficialidade incomoda principalmente por percebermos que há muito talento no grupo de atores, dado os raros momentos em que eles contracenam juntos, infelizmente Muschietti não dá conta de explorar a relação deles ao máximo, e mesmo em 2h40 fica um gostinho de quero mais.
Como já falei acima, Bill Hader surge como o principal destaque do elenco adulto servindo como alívio cômico, o ator rouba a cena em diversos momentos, ele é tão convincente em suas pegadinhas que em alguns momentos não sabemos se ele está fingindo ou sofrendo de verdade.
Quando os Losers estão reunidos, já ao final do primeiro ato, Muschietti despende boa parte do segundo ato para usar e abusar dos flashbacks. Já que a história é contada a partir da perspectiva adulta, Muschietti eventualmente faz uso destes flashbacks para inserir o elenco jovem quando há alguma menção ao passado, a grande maioria destas cenas ocorre por pura nostalgia e também para ligarmos os rostos adultos aos dos personagens mais jovens – a semelhança é tão impressionante que é uma das melhores escalações de elenco que já vi – isso acaba inchando o filme e deixando seu miolo mais prolongado do que deveria, mas algumas inserções rendem bons momentos – como em uma sequência na sede do clube dos Losers quando há uma emotiva e divertida mescla entre passado e presente – porém, nas cenas de terror essa interação já não tem o mesmo impacto do primeiro filme, é aí que percebemos que a força de It: Capítulo Dois está muito mais em seu drama do que no terror.
Armadilha
Colocar os adultos para se assustarem com um palhaço poderia parecer estúpido – o próprio filme faz piada com isso -, e Muschietti foge bem dessa armadilha colocando o palhaço para fazer mais vítimas infantis em Derry e trazendo de volta as crianças do primeiro filme, assim, reacendendo os traumas nos adultos. It assume o papel de vilão – em suas diversas formas – e a cidade de Derry, com seus túneis subterrâneos onde Pennywise se esconde, funciona como o palco que fará com que os Losers, trajados de heróis, se vejam obrigados a confrontar Pennywise.
É pena que o ar de originalidade do primeiro filme não permaneça aqui, os jumpscares são previsíveis e os monstros de CGI se tornam banais em alguns momentos. A melhor sequência – e mais incômoda, quiçá a mais assustadora – já está no trailer, que é o encontro entre a personagem de Chastain e uma senhorinha de aparência frágil, o tom soturno chega a causar arrepios, mas logo extrapola com uma senhora deformada e gigante feita de CGI – bem feita sim -, Muschietti vai da bonança à tempestade em poucos segundos, ditando o tom de sua obra, o que era assustador, agora é apenas exaustivo e barulhento. O terror aqui, definitivamente, não é bem trabalhado.
A intenção de fazer uma obra grandiosa é tanta que Muschietti se compromete a explicar – ou confundir – a mitologia que envolve a criatura parcimoniosa, porém, a tal mitologia e o ritual em que os Losers se envolvem acabam sendo recursos fracos que o roteiro utiliza para levá-los até o terço final, quando acontece o aguardado confronto – este muito melhor resolvido que o final datado do longa de 1990, mas ainda assim, muito escuro e com diálogos expositivos demais.
It – Capítulo Dois é um filme de terror quase contemplativo, estão ali os jumpscares, além do palhaço Pennywise e seus monstros gigantes de CGI, mas o que mais deverá encher os olhos dos fãs do primeiro filme é testemunhar a volta dos adultos do clube dos Losers a Derry encarando traumas de um passado esquecido, algo que acontece com a maioria de nós adultos quando amadurecemos e crescemos, não é mesmo? Ao final, o filme se revela uma produção razoavelmente satisfatória, ainda que não ousada, e Muschietti entrega a conclusão que os fãs da obra de Stephen King e do primeiro filme devem esperar.
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