O diretor grego Yorgos Lanthimos nunca fez um cinema considerado comercial. Seus filmes mais conhecidos, Dente Canino e O Lagosta, não foram feitos para encher salas de cinema de um shopping center na sessão das 22h, infelizmente. São filmes de festivais, com histórias difíceis que trazem temas e estudos de personagens com críticas bem explícitas a serem discutidas.
Justamente por isso, Lanthimos é 8 ou 80. Um espectador pode ou não comprar suas ideias, mas isso independe da qualidade inquestionável do diretor. Claro, se um diretor não consegue agradar ou atingir uma pessoa em sua mensagem, pode-se dizer que ele falhou com ela, mas isso não faz dele um diretor ruim, é preciso argumentos desse espectador para dar razão ao seu “não-gostar”.
E é isso que o cinema de Lanthimos faz: gera debate. Seja de quem o adora, seja de quem o odeie. Suas histórias não são apenas passatempo e até então seus filmes não serviram apenas para distrair o espectador por uma ou duas horas.
Talvez O Sacrifício do Cervo Sagrado seja o filme de Lanthimos mais chamariz de público. Não só pela campanha de distribuição, que parece ser maior até que a de O Lagosta, mas também pelo elenco principal que tem Colin Farrell (O Lagosta) e Nicole Kidman (multipremiada por seu papel em Big Little Lies).
Na história, acompanhamos o doutor Steven (Farrell), um cirurgião em sua rotina entre hospital e casa, e sua relação com a esposa Anna (Kidman) e seu casal de filhos, Bob (Sunny Suljic) e Kim (Raffey Cassidy de Tomorrowland), além de estranhos encontros com o garoto Martin (Barry Keoghan de Dunkirk).
Se em Dente Canino a metáfora sobre o mito da caverna de Platão é perceptível na primeira meia hora, e o filme segue martelando isso até o final, e em O Lagosta percebemos de início a crítica à importância que damos à aparência em relacionamentos – analisando de maneira bem rasa – em O Sacrifício do Cervo Sagrado o foco é diferente, não há uma crítica social explícita.
A primeira hora do filme é repleta de mistérios, cenas estranhas e absurdas (Nicole Kidman deitada nua na cama pode parecer belo, mas aqui é bem esquisito), com atuações frias e sem emoção alguma, até que vamos conhecendo pouco a pouco os personagens e percebendo que há algo de estranho entre eles, principalmente entre Martin e Steven. Sabemos que há uma cumplicidade intrigante entre ambos e, até descobrirmos qual é, a trama é muito bem conduzida por Lanthimos.
A partir de alguns eventos as ideias vão se clareando e o mito que Lanthimos trabalha vai se revelando, até de maneira exageradamente expositiva, com diálogos repletos de palavras-chave que basta abrirmos o Google e pesquisar para sabermos do que se trata (toda a sequência no salão de jogos é o ponto-chave para as metáforas e alegorias da trama), mas mesmo assim, a maneira que a história é levada é envolvente, pois ela é muito mais importante do que o mito em que se baseia (diferente de Mãe! do Aronofsky).
A parte técnica é a melhor em um filme de Lanthimos até agora, a trilha clássica, pesada, exagerada e tensa – no bom e mau sentido -, os planos abertos com zoom que aprisionam os personagens dando uma sensação de sufocamento, a câmera que passeia sutilmente por corredores, em um estilo que lembra muito os enquadramentos de Kubrick, tudo isso dá um charme especial ao filme.
O Sacrifício do Cervo Sagrado não é um filme fácil, pois o ritmo é bastante lento e tem diversas características de Lanthimos, desde as atuações bastante robóticas até o tom de humor desagradável (um diálogo sobre um MP3 na parte final deixa bem claro como o humor incômodo de Lanthimos funciona), mas não soa tão pretensioso quanto seus trabalhos antecessores.
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