Martin Scorsese não precisa provar mais nada para ninguém. É um dos diretores mais talentosos de sua geração e um dos grandes nomes da história do cinema, nem mesmo a esnobada no Oscar desse ano tira o brilhantismo de mais um grande filme para sua carreira já espetacular. Católico, Scorsese traz em Silêncio (Silence) o seu maior exemplar de devoção à fé cristã.
A história é baseada no livro homônimo de Shusaku Endo, publicado em 1966, e narra a jornada de Sebastião Rodrigues (Andrew Garfield, de Até o Último Homem) e Francisco Garupe (Adam Driver, de Star Wars: O Despertar da Força), dois padres jesuítas portugueses que viajam ao Japão, em pleno século 17, em busca do padre Ferreira (Liam Neeson, da trilogia Busca Implacável) – uma espécie de mentor para ambos – que foi ao Japão em missão, escreveu uma carta de despedida, aparentemente renegou sua fé e nunca mais deu sinal de vida. Enfrentando um governo que persegue aos cristãos, Rodrigues e Garupe passarão pelas mais diversas torturas físicas e psicológicas, chegando ao seu limite e sempre buscando no silêncio de Deus forças para manter sua fé.
Além do trio de atores já consagrados, Issei Ogata (As Coisas Simples da Vida) e Kubozuka Yosuke (Tokyo Tribe) entregam duas atuações que também merecem menção. Issei é o Inquisitor Inoue, um governador tirano e cruel e, ao mesmo tempo, inofensivo fisicamente e até engraçado. Kubozuka interpreta Kichijiro, o guia de Rodrigues e Garupe em terras japonesas, que tem a fé colocada à prova a todo instante e, dada a sua fraqueza, sempre se corrompe.
O toque hollywoodiano é perceptível, é um filme fácil de acompanhar – apesar das quase três horas de duração – com situações às vezes explicativas e narrativas demais – talvez aqui o seu maior defeito, principalmente no ato final – mas, artisticamente, o filme é exemplar. A fotografia indicada ao Oscar – única indicação que o filme conseguiu – consegue nos transportar ao Japão daquele século e trazer uma aura sombria necessária na primeira hora de exibição. Os takes de Scorsese, ora de um plano superior – visão de Deus – ora focado em pequenos elementos em cena – mãos que se tocam, crucifixos, rosto de Cristo – trazem maior imersão do espectador à cena, dando ainda mais sentido ao simbolismo do filme.
Outro detalhe muito importante e praticamente impossível de passar despercebido é a ausência de trilha sonora, claro, o título Silêncio não vem só daí, mas é um detalhe importantíssimo que engrandece a experiência, fazendo com que cenas extremamente silenciosas ganhem ainda mais valor e atenção do espectador.
Mesmo que durante o filme dê a entender que Scorsese se guie demais pelo seu lado católico, ele não se preocupa em lançar certos questionamentos, afinal, quem está errado na história? Os cristãos que levam sua religião como verdade absoluta para um povo culturalmente tão diferente ou os líderes japoneses que punem com a morte aqueles que seguem a fé cristã. Ou seriam os padres que chegam ali para doutrinar? É um caminho complicado que Scorsese teve de seguir e, provavelmente, devido ao tema polêmico, tenha sido esnobado no Oscar.
Silêncio é um filme que irá gerar um bom debate na comunidade cristã, que verá em Rodrigues, Ferreira e Kichijiro questionamentos que todo cristão possui. Para os cinéfilos, cabe apreciar mais um ótimo filme de uma lenda viva do cinema, que conta uma história de fé sem abrir mão de sua técnica.
[wp-review id=”4684″]
+ Ainda não há comentários
Add yours