Bernard Shaw disse certa vez que Inglaterra e EUA eram países separados pela mesma língua. Isso sem falar em costumes e… esportes. Afinal, o futebol (que vem de football, ou pé na bola) dos ianques é jogado predominantemente com as mãos e os ingleses criaram o esporte mais popular do mundo. De certa forma, este é o ponto de partida de Ted Lasso, a incrível série de comédia que ganhou 11 Emmys e acabou este ano, na terceira temporada.
Jason Sudeikis (Quero Matar meu Chefe e A Família do Bagulho) é Ted Lasso, um técnico de futebol americano universitário que viraliza ao fazer uma dancinha após uma vitória de seu time. Ele acaba sendo convidado para treinar o A.F.C. Richmond, um pequeno clube inglês de futebol, só que aquele que se joga com os pés. E mais, para disputar a poderosa Premier League.
Ted tem como braço direito o coach (técnico) Beard (Brendan Hunt, um dos criadores da série), que sabe muito mais de soccer que ele e acaba se adaptando melhor à Inglaterra. No Richmond, além de ter que lidar com as brigas do veterano Roy Kent (Brett Goldstein, em papel inspirado em Roy Keane, o mesmo que criticou as dancinhas de Vini Jr. e acabou com a carreira do pai de Haaland) com a jovem estrela Jamie Tart (Phil Dunster, que está a cara de Jack Grealish, atacante do Manchester City), descobre que o roupeiro Nathan Shelley (Nick Mohammed) é um prodígio em táticas.
Outros personagens importantes são a ex-Garota da Página 3 (os tabloides britânicos costumavam publicar uma beldade de topless na página 3 até 2015) Keeley Jones (Juno Temple, de The Offer e Roda Gigante); e o diretor esportivo Leslie Higgins (Jeremy Swift).
Enquanto acompanhamos o protagonista se equilibrar entre treinar a equipe em um esporte que ele pouco entende (além de ter que lidar com as implacáveis entrevistas coletivas da imprensa inglesa) e o fim do casamento; assistimos os demais personagens passarem por dramas e aventuras pessoais. Mas, para quem gosta de futebol, especialmente da Premier League, as referências às suas idiossincrasias e hábitos, aparições de antigos e atuais estrelas, são uma atração à parte.
Ted Lasso é um personagem e tanto, o paradigma do técnico motivador, já que de futebol ele entende pouco, mas que conquista jogadores, torcida e até sua esnobe patroa com seu carisma e otimismo inabalável, até mesmo quando o time cai para a segunda divisão, ironicamente chamada de Championship. Ao mesmo tempo, desenvolveu Síndrome do Pânico, cujo tratamento com a terapeuta Sharon (Sarah Niles, de Sandman) rende ótimos momentos.
A comédia conquistou corações dos dois lados do Atlântico com seu humor inteligente, personagens humanos e atuações comoventes. Apenas Jason Sudeikis e Juno Temple eram conhecidos antes da série, mas, no final, quase todos entraram para a mitologia da cultura pop contemporânea, e os atores devem à ela o grande momento de suas carreiras.
O encerramento deveu-se principalmente porque o ator principal estava cansado de ficar longe dos filhos – que, como o de seu personagem, moram nos EUA – , mas boa parte do elenco sonha com uma continuação futura ou até um spin off.
Na última temporada, surge o gancho de um time feminino no Richmond, o que poderia ir de encontro com a ascensão do esporte em todo o mundo. Até agora, o que se sabe é que Ted Lasso acabou mesmo, mas, os fãs se agarram ao lema do A.F.C. Richmond: Believe.
Referências (com spoilers)
O review acabou, mas para quem se interessar, segue uma série de referências sobre o futebol, a Premier League e a Inglaterra.
Tradição dos times de bairro – Mesmo bilionário, o futebol inglês tem diversas equipes de bairros londrinos como o fictício Richmond. Fazendo o papel de estádio do time, inclusive, está o do Crystal Palace. Também o habito dos torcedores se reunirem para assistir os jogos nos pubs locais é bem retratado pela proprietária Mae Green (Annette Badland) e os três torcedores-símbolo Paul (Kevin Garry), Jeremy (Bronson Webb) e Baz (Adam Coubourne).
Manchester City – Durante as três temporadas, o bicho-papão da série é o Manchester City, chamado de Melhor Time do Mundo (É mentira?). Tanto é que, na terceira temporada, quando o Richmond ameaça virar outro Leicester (a zebra deste século), quem impede é justamente o time de Pep Guardiola, que aparece cumprimentando Ted Lasso pela partida.
Keeley Hazell – A Keeley Jones de Juno Temple é inspirada na modelo Keeley Hazell, também ex-Garota da Página 3 e ex de jogador de futebol. Como a personagem da série, tornou-se empresária, e além de atuar como a namorada do ex de Rebecca, o bilionário Rupert (Anthony Head), teve um caso com o próprio Jason Sudeikis durante as filmagens.
Zlatan Ibraimovic – Na última temporada, surge um craque na mira do Richmond, Zava (Maximilian Osinski), um centroavante cigano, egocêntrico, carismático e maníaco, a cara de Zlatan Ibraimovic, o excêntrico jogador sueco.
Superliga Europeia – O projeto de reunir os maiores clubes da Europa para formar uma “NBA” do futebol também foi citado em Ted Lasso. Na temporada 3, Rebecca é convidada para uma reunião com os presidentes das agremiações (porque ela e Rubert estavam lá é um mistério, porque nem o Richmond – equivalente ao Crystal Palace – nem o West Ham fariam parte da tal liga), e após ouvir a proposta, dá um discurso que resume o sentimento dos torcedores em geral. Como na vida real, a ideia elitista e financista foi para o brejo.
Laranja Mecânica – Durante uma excursão à Holanda, surge a ideia de fazer o Richmond aplicar o futebol-total para se recuperar no campeonato. É uma aula de como a seleção holandesa de 1974 revolucionou o futebol, com os jogadores se deslocando sem guardar posição, enlouquecendo a marcação adversária. Só esqueceram de dizer que só funcionou enquanto estava em campo um certo Johann Cruyff, tanto é que na Copa seguinte, a mágica não se repetiu.
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