Durante vários dias eu me questionei se, em pleno final de 2016, escrever sobre um jogo lançado em 2011 faria algum sentido, afinal, quem gostaria de saber algo sobre ele já o fez há pelo menos cinco anos atrás. Mas eu insisti nesta discussão com o meu eu interior e, como sempre, o meu eu que não se importa com essas coisas e está louco pra transmitir o que vivenciou venceu essa batalha (sem contar o fato da Internet ser atemporal). Por isso, sentei a bunda na cadeira e comecei a divagar sobre To The Moon, jogo lançado em 2011 para PC e produzido pela Freebird Games, ou melhor, produzido praticamente inteiro por uma pessoa: Kan Gao.
Em To The Moon você joga na pele, ou melhor, nas peles de dois cientistas da Corporação Sigmund, Eva Rosalene e Neil Watts. Eles são contratados por Johnny Wyles, um senhor que está em seus últimos dias de vida, para realizar o desejo da vida dele: ir a Lua. Mas, em vez de ser uma empresa especializada em construção de foguetes, a Sigmund na verdade oferece um serviço que podemos chamar de reconstrução de memória. Por meio das memórias do cliente, eles implantam o desejo final do paciente na memória mais antiga o que faz com que aquele Wyles do passado persiga seu sonhe e, na vida real, caso a implantação dê certo, o paciente realmente acredite que foi para a Lua. O problema aqui é que Johnny não sabe o motivo de porque quer tanto ir à Lua. Então, resta a você acessar suas memórias para tentar descobrir e cumprir o seu trabalho.
O criador do jogo, Kan Gao, já assumiu em entrevistas que uma das inspirações para o jogo é o filme Amnésia, de Christopher Nolan e, quem o assistiu, vai notar a semelhança em como a história é contada. Em To The Moon,Rosalene e Watts viajam pelas memórias de Wyles, da mais recente até a mais antiga, por meio de memenos, ou seja, objetos pessoais que remetam ao passado da pessoa. No jogo, a cada viagem às memórias passadas, o jogador deve explorar o cenário em busca de outros objetos que intensifiquem as memórias anteriores para então poder utilizar o memento para fazer a passagem. Desta forma, os doutores conhecem a vida de Wyles e os eventos que aconteceram durante ela e como cada um deles interferiu para o fim que já sabemos do paciente.
Feito no RPG Maker, To The Moon não é um jogo para fãs de gráficos de última geração. Aqui, a beleza do que se vê na tela está na narrativa e em sua mensagem. Mesmo com personagens cuja arte e desenho lembram muito os velhos e bons RPGs do Super Nintendo, como Chrono Trigger, To The Moon consegue transmitir as emoções por meio do texto escrito e do diálogo, que mesmo sem voz, é cadenciado e transmite a emoção correta de cada cena. A sinergia dos doutores protagonistas também ajuda muito na construção da história, enquanto Rosalene é mais séria, Watts é o brincalhão e alívio cômico da narrativa. No entanto, com o passar dos acontecimentos, os personagens se mostram afetados por tudo que estão testemunhando e conseguem transmitir esta empatia para o jogador.
To The Moon é dividido em atos, como uma peça de teatro, e sua atratividade está no quanto a história de Johnny poderia ser a de qualquer um de nós. Por meio das memórias, vemos um ser humano passar por todos os pormenores da vida, como problemas financeiros, doenças, perdas, conquistas, o primeiro relacionamento, a importância da família, entre outros. A cada salto de memória aprendemos mais e nos identificamos mais com Johnny e também, a cada lembrança, descobrimos os motivos de algum fato que já tínhamos conhecimento de uma memória mais recente. Ajuda e muito, a música do jogo, composta pelo próprio Kan Gao, com a ajuda de Laura Shigihara, que já compôs para jogos como Plants vs. Zombies. Tocada basicamente em piano, a música é também, quase uma protagonista do jogo, e só jogando para descobrir o porque.
E é assim que To The Moon, de memória em memória, vai construindo mistérios para que, lá em seu final, em um terceiro ato que só não derruba uma lágrima quem tiver o coração mais peludo da face da terra, amarre todas as pontas soltas deixadas durante as quatro horas de jogatina (sim, é um jogo curto, o que não é um problema) e nos dá uma revelação incrível. Portanto, se você não liga para gráficos ultra realistas e aprecia, como eu, uma boa história, To The Moon é uma aposta certa e, com certeza, deve ser contada para quem mais puder ouvir.
To The Moon está disponível no Steam e possui legendas em Português, feitas com muito carinho pelo pessoal do Jogabilidade.
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