A minissérie Adolescência é a maior surpresa que eu tive na Netflix desde Inacreditável (de 2019!). A produção britânica conta uma história fictícia, mas inspirada em casos recorrentes de garotos atacando garotas a facadas na Inglaterra, que levaram os autores Jack Thorne (Extraoridnário) e Stephen Graham, que também atua no papel do pai, a abordar o tema.
Cada um dos quatro episódios é filmado como plano sequência (como se fosse uma única tomada), para dar a sensação de urgência e ansiedade dos acontecimentos, O primeiro já começa com a invasão à casa dos Millers pela polícia, para prender o garoto Jamie (o estreante Owen Cooper, sensacional), de 13 anos. Inicialmente não sabemos a acusação, e acompanhamos o choque e desconcerto da família. Todo o protocolo da polícia é desenrolado em detalhes, especialmente por envolver uma criança. Depois de Jamie alegar que não tinha feito nada com aquela carinha de menino, somos confrontados com o vídeo de câmera no local do crime e ficamos estupefatos como o pai, Eddie (Stephen Graham fez entre outros Snatch – Porcos e Diamantes, e O Irlandês).
O segundo episódio é o mais complexo tecnicamente, por envolver centenas de figurantes, que tiveram que ser cuidadosamente coreografados nas passagens diante da câmera. Acompanha as diligências do inspetor Luke Baskomb (Ashley Walters, de Que Falta você me Faz) e da sargento Misha Frank (Faye Marsay, de Andor) na escola de Jamie para descobrir as motivações do crime. Baskomb tem uma motivação extra porque seu próprio filho Adam (Amari Bakkus) também estuda lá. É Adam quem vai explicar o significado das postagens da vítima no Instagram de Jamie, ajudando a apontar para a causa do crime.
O terceiro episódio coloca Adolescência como sério concorrente às premiações de TV. Acho que vai ser para a Netflix este ano o que Bebe Rena foi em 2024. Jamie, já internado numa instituição psiquiátrica para menores infratores, recebe a visita da psicóloga Briony Ariston (Erin Doherty, que fez uma das princesas Anne em The Crown) que é encarregada de fazer uma avaliação independente para o juiz do caso. Não é um embate entre um profissional tentando arrancar uma confissão ou uma máscara do assassino, mas uma interação cheia de empatia, cujos desdobramentos surpreendem não só a psicóloga, como o próprio Jamie e nós, o público. Deem um Emmy a todos os envolvidos!
O quarto e derradeiro capítulo deste drama são as consequências para o que restou da família: o pai Eddie, a mãe Manda (Christine Tremarco) e a irmã mais velha Lisa (Amelie Pease). Vemos que se tratam de pessoas normais, com atividades comuns e que não entendem o que aconteceu com Jamie, ao mesmo tempo que sofrem com agressões e fofocas. A série tem uma agenda, que é alertar sobre o perigo de influenciadores red pill, que estimulam garotos em fase de formação a se culparem mulheres pela sua solidão e deslocamento no mundo, sublinhando o abismo entre os tempos nem tão velhos assim com a atual geração dependente das mídias sociais.
Além disso, Graham – um respeitado ator com mais de três décadas de carreira, mas com oito indicações ao Bafta e nenhuma vitória – aproveita para pavimentar o caminho para um prêmio de atuação importante. Pode até ganhar, mas boto mais fé que ele ganhe pela minissérie em si ou pelo roteiro. Adolescência é obrigatório. Ponto.
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