A segunda temporada de Andor terminou na semana passada e a internet foi invadida pela polêmica: é o melhor produto de Star Wars desde O Império Contra Ataca? Na verdade, a série de Tony Gilroy ultrapassa os limites da galáxia muito, muito distante, e num ano em que as séries mais hypadas tiveram temporadas algo aquém da anterior – como foi o caso de Ruptura, The White Lotus e The Last of Us (que ainda não terminou quando escrevo este review) – dá para afirmar que é a que melhor desenvolveu a premissa original.
Star Wars – Uma Nova Esperança, que era apenas Guerra nas Estrelas na minha época, era antes uma fantasia que ficção-científica, uma adaptação dos seriados e filmes b capa-e-espada dos anos 40 e 50 para um reino espacial. As duas continuações criaram o drama familiar dos Skywalker, com um desfecho happy ending e se já se voltando a um público mais infantil pela demanda do merchandising.
Na trilogia prequel, George Lucas buscou desenvolver a política que levou à criação do Império Galático, misturando a queda da República Romana com a geopolítica americana da época. Ficou ruim porque elaborar tramas sofisticadas não é o forte do criador de Star Wars. No entanto, Dave Filoni, o criador das animações Clone Wars e Rebels, conseguiu manter viva a franquia, com tramas e personagens consistentes, especialmente em Rebels, com a luta cotidiana dos oprimidos pelo Império, que agregada pelos Rebeldes acaba resultando em sua destruição.
Andor vai nessa pegada, mas de forma bem mais adulta. Não tem vilão que solta raios pelos dedos, sabres de luz ou superpoderes da Força. Por outro lado, há tortura, tentativa de estupro, assassinato a sangue frio (sem o dilema Han Solo) e personagens tridimensionais, mesmo os coadjuvantes.
Não é necessário ser fã ou ter visto qualquer filme ou série da franquia – mesmo que seja um prequel de Rogue One e você certamente querer assisti-lo ao final de Andor. Aliás, se você deixar de lado Star Wars, poderá ver na trama um comentário sobre a luta na vida real de indivíduos sem poder enfrentando forças muito mais poderosas, chamada na terminologia militar de guerra assimétrica, e os sacrifícios morais e pessoais exigidos pela liberdade. O ISB – Imperial Security Bureau – pode ser identificado como uma Gestapo do Império Galáctico, mas também as agências de inteligência e segurança americanas, como o FBI, NSA e a CIA. A repressão em Ferrix e Ghorman remetem ao Gueto de Varsóvia, mas também a invasão da Ucrânia e o massacre na Faixa de Gaza. As ações dos rebeldes no roubo em Aldhani e os assassinatos executados por eles são classificados como terrorismo pela mídia controlada pelo Império, não tão diferente do que acontece nos órgãos de imprensa do Ocidente ao se referir aos palestinos, por exemplo. E a resistência Ghorman não é apenas tolerada, mas estimulada pelo ISB, visando o desfecho que vemos no episódio 8, um dos cinco de Andor a receber avaliação acima de 9,5 no IMBD, uma conquista inédita.
Apesar de Cassian Andor não apenas dar nome à série, mas ter o maior tempo de tela, Diego Luna ter uma atuação que no mínimo vai render indicação ao Emmy; é por meio do Luthen de Stellan Skarsgard que entendemos o preço de uma revolução, que é a rebelião que dá certo. E é apenas no episódio 10 que entendemos de onde surge sua motivação para lutar contra Palpatine, no flash back em que ele encontra a pequena Kleya, Elizabeth Dulau, cuja atuação deve coloca-la no mapa dos castings. Luthen remete ao mascarado de V de Vingança, que sabe que não está destinado a ver a rebelião vitoriosa.
Se o líder da inteligência rebelde é um controlador quase paranoico, a Rebelião reúne todo tipo de lutadores, de malucos como Saw Guerrera (O oscarizado Forrest Whitaker voltando ao papel) aos trapalhões do planeta em que Andor cai no primeiro episódio.
Paralelamente às ações que vão desembocar na descoberta do grande segredo do Império, a senadora Mon Mothma (Genevieve O´Reilly, que vive a personagem desde A Vingança dos Sith, mas foi cortada da edição final), que secretamente fornece fundos para a Aliança Rebelde, vê a consequência de seu subterfúgio para ocultar as finanças de sua fundação, dando a filha em casamento ao herdeiro de um gangster e a perda de um amigo querido. Ela vive seu momento de glória e perigo ao denunciar um massacre, e tem que assumir a rebelião. Curiosamente, a mudança de ator do senador Bail Organa, de Jimimy Smitts para Benjamin Bratt (Miss Simpatia) modifica também a personalidade do pai adotivo da princesa Leia, que da figura imponente e digna da trilogia prequel, vira um babaca.
Os antagonistas Dreda Meero (Denise Gough) e, principalmente Syril Karn (Kyle Soller) perdem força nesta temporada. Apesar de subir na hierarquia e ser a responsável pelo plano para “desapropriar” Ghorman, ela acaba sendo ofuscada pela presença do Diretor Krenic (Ben Mendelson), o vilão de Rogue One, mais à vontade no papel e ameaça velada mesmo com pouco tempo de tela. O fim de ambos é propositalmente patético, enquanto ao Major Partagaz (Anton Lesser) é dada uma saída à Rommell.
O planeta Ghorman e seus habitantes foram inspirados na França e na resistência na Segunda Guerra Mundial, por isso a maioria dos atores que vivem os Gor são franceses e a língua lembra um pouco a de Moliére (sem falar que é um planeta de estilistas…). A exceção do elenco é o ator alemão Richard Sammel que faz o líder Carro Rylanz, mais conhecido por Bastardos Inglórios, mas que tem uma ligação com o Brasil, por participar de Estrada 47, filme brasileiro sobre a campanha da FEB na Itália.
Finalmente, temos Bix (Adria Arjona), namorada de Andor e quem mais sofreu fisicamente na série. A certa altura, roteiristas e showrunner perceberam que ela havia perdido função na história, e havia duas saídas para ela: morrer ou sumir da história. Em princípio, parece que a segunda opção foi escolhida, mas ao final, vemos que havia uma terceira opção mais satisfatória e que inspira esperança.
Além do roteiro, direção e atuações temos um valor de produção de longa-metragem. Boa parte dos cenários são reais, alguma locações existem de verdade, os figurinos são impressionantes e a trilha musical sublinha mas não ofusca a ação. Uma realização que merece ser vista por mais pessoas, não apenas os loucos por Star Wars. Apenas assista e depois me diga.