O Eternauta é talvez, a obra em quadrinhos mais famosa e influente da América Latina, mesmo tendo sido pouco lida – no Brasil, por exemplo, a primeira edição chegou apenas em 2012. Na Argentina, sua importância vai além dos limites da Nona Arte.
Seu autor, Hector Germán Oesterheld, suas quatro filhas (duas delas, grávidas) e genros foram “desaparecidos” pela Ditadura Militar Argentina, de 1976 a 1983, e o lançamento da série reviveu a campanha das Abuelas de Plaza de Mayo.
Campanha que busca não só os corpos dos assassinados pelos militares, mas as crianças sequestradas e adotadas por simpatizantes do regime – casos dos netos de Oesterheld, conhecido em seu país como HGO.
O Eternauta – A Série foi adaptada por Bruno Stagnaro, de Pizza, Cerveja e Cigarro, e é estrelada pelo mais famoso ator argentino, Ricardo Darín.
Ele é o protagonista Juan Salvo, que se reúne com os amigos Ravalli (César Troncoso, de Banheiro do Papa), Lucas (Marcelo Subiotto) e Polski (Claudio Martinez Bel), o Russo, para jogar truco.
Na casa de Ravalli estão ainda a esposa dele, Ana (Andrea Pietra) e o cunhado de Russo, Omar (Ariel Staltari), que vive nos EUA e está de visita.
Blecautes acontecem por toda Buenos Aires, o que parece ser cotidiano para eles, quando, subitamente, tudo para de funcionar, inclusive os telefones, e cai uma estranha neve em pleno verão. Uma neve que mata tudo que toca, como eles podem testemunhar pela janela.
Desesperado para saber de sua mulher e filhos, Russo sai para fora coberto com um casaco na cabeça, e cai morto no meio da rua, confirmando a todos a letalidade da nevasca.
Uma jovem entregadora bate à porta pedindo ajuda, a venezuelana Inga (Orianna Cárdenas), que se junta ao grupo e chama a atenção do recém-divorciado Omar.
A esse grupo se juntarão Elena (Carla Peterson), ex-mulher de Juan, depois que este parte em busca de sua casa, achando que a filha, Clara (Mora Fisz), está lá.
Para fazer esta jornada por uma Buenos Aires cheia de cadáveres nas ruas, ele veste a icônica roupa de mergulho combinada com uma máscara contra gases, disponíveis graças aos hábitos acumuladores de Favalli, que ainda é um improvisador de mão cheia.
Esse cenário de devastação pós-apocalíptica ocupa os três primeiros episódios, com sequências de sobrevivencionismo e terra de ninguém típicos do gênero.
Até aí, não sabemos o que causou a nevasca mortal. Seria uma crise ambiental? Cinzas de um incêndio em uma usina revestida de amianto? Apenas no quarto episódio começamos a ter respostas, e a partir daqui, SPOILERS!
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SPOILERS (só pra lembrar)
Em busca pela filha, Juan e seu amigo Favalli encontram uma barreira de carros empilhados erguida pelos militares sobreviventes, só para descobrir uma ameaça ainda mais mortal que a neve tóxica: besouros gigantes alienígenas, que atacam os humanos e os enrolam em um casulo, como aranhas que paralisam as presas para alimentar seus filhotes.
Embora, de modo geral, Stagnaro e seu corroteirista Ariel Staltari (que interpreta Omar) adaptem o começo da história com fidelidade, há diferenças por conta dos 70 anos que separam quadrinhos e série.
A HQ original foi publicada originalmente entre 1957 e 1959, com desenhos de Francisco Solano López, e a morte que cai do céu era uma alegoria sobre o massacre da Praça de Maio ocorrida em 1953, quando a Força Aérea atacou manifestantes peronistas com aviões.
Havia ainda o contexto da Guerra Fria e a ameaça nuclear, que originaram clássicos da ficção-científica como Guerra dos Mundos e Vampiros de Almas, o primeiro, inspiração para a HQ e o segundo, para a série.
Ao escalar Ricardo Darín, além do chamariz de audiência, os realizadores também ganharam um protagonista mais velho, sendo que o Juan Salvo dos quadrinhos era jovem, atlético e esperto.
Com o deslocamento temporal da trama, era preciso trazer a ação para a Argentina contemporânea, então o Juan Salvo do século XXI é um veterano da Guerra das Malvinas, o que justifica ele ser bom de tiro.
Por outro lado, ele sofre de estresse pós-traumático, que faz com que tenha episódios de memórias do conflito, mas que aparentemente se misturam com flashes do que ainda vai acontecer.
Por causa da idade do protagonista, a filha agora é uma adolescente que ganha relevância na trama, ao aparecer na abertura do primeiro episódio, junto com as amigas no barco, depois reaparecendo misteriosamente na casa de Favalli e, ao final, no cliffhanger da temporada, que evoca Invasores de Corpos, a versão de Vampiros de Almas de 1978.
O Eternauta tem o melhor do audiovisual argentino, que são o roteiro e atuação, aliado a um surpreendente valor de produção, que usam como base locações familiares a qualquer um que conheça Buenos Aires.
A segunda temporada ainda não foi anunciada, mas parece meio inevitável em função do sucesso que a primeira teve em toda América Latina.