“Space Force” foi lançada há um mês, na mesma semana do lançamento do SpaceX, primeira etapa do plano americano de voltar à Lua e de lá, para Marte. A série humorística trata da ambição de Donald Trump por trás dessa retomada do projeto espacial, que é militarizar o espaço (“Boots on the Moon”, ou “Coturnos na Lua”).
Não vou aqui fazer uma avaliação do show, que não foi bem nas críticas, mas sobre suas premissas, que envolvem da nova corrida espacial ao próprio American Way of Life. Foi em 2018 que Donald Trump anunciou a criação de mais um braço das Forças Armadas Americanas, até então em Exército, Marinha, Força Aérea, Fuzileiros Navais (Marines) e Guarda Costeira. A reunião do Estado Maior na série ilustra essa divisão, na
qual o pobre comandante da Guarda Costeira é zoado pelos colegas, como numa classe de sexta série. A nova Space Force, na vida real, sofreu críticas do próprio Secretário da Defesa da época e natural resistência da Aeronáutica, que vai perder poder e orçamento.
Quando a série foi realizada, parecia certo um segundo mandato de Trump, o que hoje é muito questionável. Caso John Biden confirme o atual favoritismo, a Space Force pode ser descartada, mas é bom levar em conta que a corrida espacial em curso contra a China, e também a Rússia, é uma realidade. E os interesses americanos em órbita são muitos e importantíssimos.
Todo o sistema GPS depende de satélites, e a mera hipótese de que inimigos possam desabilitá-los causa pânico no Pentágono. A questão é também tecnológica: de 2011 até o lançamento da nave da SpaceX há um mês, a Nasa dependeu das naves Soyuz, criadas pela antiga URSS durante os anos 60, para mandar seus astronautas ao espaço. E a China, se não está tão á frente como no seriado, avança a passos largos com seu programa espacial.
Trump, obviamente, quer reproduzir o programa “Guerra nas Estelas” de seu ídolo Ronald Reagan, cuja administração também criou a divisão espacial dentro da Força Aérea. Há quem defenda que foi o projeto da barreira de satélites armados ao redor dos EUA para deter os misseis soviéticos que provocou a ruína da superpotência rival, quando esta se mostrou incapaz de acompanhar os gigantescos investimentos envolvidos para a equiparação de forças. Pode ter colaborado, mas certamente não foi o único fator.
Os obstáculos técnicos e orçamentários envolvidos, sem falar na incapacidade dos militares em comandar um programa científico (embora grande parte dos astronautas fossem militares, a Nasa é uma agência civil) dão o mote para a série “Space Force”. Steve Carrell tentando administrar um bando de personagens bizarros e idiotas, torna impossível não lembrar de “The Office”, e isso não é coincidência, jã que o parceiro do ator como criador da série é o mesmo Greg Daniels que levou para os EUA o formato original inglês de Rick Gervais e Stephen Merchant. As diferenças estão na sátira política e na profundidade nos dramas do protagonista.
É aqui que reside o maior estranhamento do programa. Carrell é Mark R. Naird, um general aviador promovido a quatro estrelas que acha que vai assumir a Força Aérea. Ao invés disso recebe a nova Força Espacial e tem que se mudar com a família para o Colorado. Um anos depois, sua mulher Maggie (Lisa Kudrow, a eterna Phobe de “Friends’) está cumprindo pena por motivos não explicados – mas supõe-se graves pela pena – e sua filha Erin (Diana Silvers, de “Ma”) está totalmente desajustada entre os red necks locais. Apesar disso, envolvido nos problemas do primeiro lançamento da Space Force, Naird se recusa a ver que sua família está em ruínas.
Criado dentro dos rígidos códigos morais e de conduta, tanto militar quanto da expectativa tradicional do macho americano, o general tem que lidar com a vida conjugal à distância, a filha em busca de novas experiências e de identidade, e de uma nova realidade no trabalho, ilustrado tanto pelo cientista-chefe Adrian Mallory; vivido com o carisma e talento habituais de John Malkovich, quanto pelo assessor de imprensa e mídias sociais Tony Scarapiducci (Ben Schwarz, de “Parks and Recreations”), um blogueirinho ambicioso e absolutamente sem noção. A trajetória do homem médio dentro dessas novas fronteiras americanas – o multiculturalismo, a pan-sexualidade, os novos rivais externos, novas tecnologias entre outros – é o verdadeiro tema de “Space Force”.
Não vou dizer que o produto final é eficaz, mas, nas entrelinhas. é mais interessante do que à primeira vista. E, apesar das críticas, a boa colocação na audiência americana da Netflix e pelo investimento tanto de dinheiro quanto de prestígio envolvido, é provável que tenhamos um desfecho para a história. Eu, pelo menos, torço para isso e que os defeitos deste primeiro lote sejam sanados numa segunda temporada.
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