Com todas as polêmicas envolvidas, estamos vivendo a volta do futebol, com as finais dos principais campeonatos estaduais, a volta do Brasileirão e uma inédita fase final da Champions League em uma só cidade; tudo por causa da Covid-19.
As duas principais plataformas de streaming oferecem boas opções para um entendimento da paixão causada pelo chamado esporte bretão, e pelos olhos de outros países. The English Game, da Netflix, é uma ficção sobre a transição do futebol do amadorismo para o profissionalismo, o que significa, de um esporte elitista para uma paixão compartilhado e praticado também pelo proletariado.
This is Football está na Amazon Prime, e é uma série-documentário sobre aspectos que envolvem o amor por esse jogo: Redenção, Crença, Acaso, Orgulho, Amor e Fascinação. Para nós, brasileiros, do país com mais Copas do Mundo, que tem o maior número de jogadores Melhores do Mundo da Fifa, é muito interessante ver como países como Ruanda, EUA, Japão, Islândia, China e mesmo a Inglaterra (no caso de The English Game) se relacionam com a paixão pelo futebol.
Esporte Bretão
Nos velhos tempos do rádio, alguns locutores costumavam se referir ao futebol como “esporte bretão”. Esta seria a tradução mais adequada para a minissérie The English Game, lançada recentemente pela Netflix.
Dois de seus personagens principais – Fergus Sutter (Kevin Guthrie, de Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald) e Jimmy Love (James Hackness, de As Loucuras de Rose, exibido no Cineclube Indaiatuba) – são escoceses, baseados em personagens reais, considerados os primeiros jogadores profissionais da Football Association (a Associação de Futebol da Inglaterra, que estabeleceu as regras do esporte em 1861), ou seja, do mundo.
A contraparte desses dois operários é o aristocrata, este sim inglês, Arthur Kinnaird (Edward Holcroft, dos filmes Kingsman), outro personagem histórico, craque do Old Etonians e, posteriormente, presidente da F.A..
Quando a série começa, Sutter e Love estão se mudando para Darwen (no condado de Lancashire, no norte industrial da Inglaterra), contratados pelo dono da fábrica que sustenta o time local. Ambos logo enfrentam o Old Etonians numa partida épica, em que os ex-alunos do elitista colégio Eton saem vencendo por 5 a 0 e os trabalhadores liderados por Sutter conseguem empatar no final. Numa era pré-passe, Sutter é seduzido pela proposta de outro time operário, o Blackburn (o mesmo que até hoje joga a Premier League), e se transfere para lá.
O filme retrata um momento crucial do futebol, quando o profissionalismo, que permitirá uma democratização do esporte, se impõe ao amadorismo elitista, já que os bem nutridos aristocratas com tempo livre desfrutavam de enorme vantagem sobre os operários, com suas longas jornadas de trabalho habilmente descritas por Karl Marx em O Capital. Também tem como pano de fundo a sociedade vitoriana, que oprimia mulheres de todas as classes, sobretudo as pobres.
O dilema amadorismo x profissionalismo se repetiria no Brasil somente meio século mais tarde, mas as bases eram mais ou menos as mesmas, aqui com o acréscimo do racismo. Se não chega a ser brilhante, e como quase todas as produções audiovisuais fictícias sobre o tema, com partidas muito longe de recriarem o que é o futebol, The English Game tenta ser honesto quanto às origens da paixão do esporte mais popular do planeta, algo até há pouco incompreensível para os pragmáticos norte-americanos.
Isto é Futebol
Filmado em vários países, This is Football traz depoimentos de gente como Pep Guardiola, Oliver Khan, Megan Rapinoe, Pierluigi Colina e Maurício Macri, além de muitos “anônimos”, tudo para enaltecer o amor globalizado pelo esporte. Começa com uma torcida organizada do Liverpool em Ruanda e acaba analisando a magia de Lionel Messi, o grande jogador deste século, em que pese a concorrência de Cristiano Ronaldo (sem quem o reinado do argentino não teria tanta graça).
Enquanto no Brasil se conta a história que Pelé teria obtido um cessar-fogo na guerra civil da Nigéria (o que hoje é contestado por estudos sérios), o primeiro episódio da série, Redenção, conta como o futebol serviu para aproximar hutus e tutsis após o que entrou para a história como Genocídio de Ruanda. Remete a Invictus, dirigido por Clint Eastwood, mas com a bola redonda.
O segundo episódio, Acaso, começa com Oliver Kahn lembrando como ele fazia uma Copa impecável em 2002 até – como dizemos no Brasil – “bater roupa” no chute de Rivaldo que culminou no gol de Ronaldo que abriu o placar da final daquele Mundial.
Conta um pouco das vitórias e decepções de seu Bayern de Munique na Champions League (incluindo o famoso Milagre de Istambul), mas o personagem principal é o Eintracht Frankfurt, time tradicional de uma das mais ricas cidades alemãs, que tem uma torcida apaixonada, apesar de ganhar uma taça somente a cada três décadas.
Crença conta a trajetória do futebol feminino do ponto de vista do maior vencedor da categoria, os EUA, e da grande zebra da Copa de 2011, o Japão.
Amor é centrado em um garoto sul-africano que se tornou o mais jovem árbitro profissional de seu país, de uma garota indiana que sonha em ser jogadora num país dominado pelo machismo estrutural, e um chinês tão apaixonado pela redonda que inventou o soçaite em mandarim.
Orgulho conta como a atuação da seleção nacional na Eurocopa e a classificação para o Mundial de 2018 transformaram a pequena Islândia.
Finalmente, Fascinação foca no genial Lionel Messi, com depoimento de seu ex e melhor técnico, Pep Guardiola, e do presidente argentino, Mauricio Macri. A gente termina se perguntando se nós, brasileiros, amamos de verdade o futebol ou apenas levantar taças.
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