Artigo | O adeus a Bernardo Bertolucci (1941 – 2018)

O cineasta italiano Bernardo Bertolucci morreu nesta segunda-feira, dia 28 de novembro, aos 77 anos. É um dos últimos sobreviventes da fase de ouro do cinema italiano e europeu, e conseguiu o que nenhum de seus colegas italianos mais ilustres (Fellini, Paolini, Visconti e Antonioni) jamais alcançaram: o Oscar de Melhor Direção e Filme, por O Último Imperador, de 1987.

Filho do poeta Attilio Bertolucci, foi por meio da amizade do pai com Pier Peolo Pasolini que ele entrou para o mundo do cinema, como assistente de direção em Accatone – Desajuste Social (1961). Estreou na direção com A Morte (1962), mas foi com Antes da Revolução (1964), uma releitura moderna do romance Cartuxa de Parma, de Stendhal, que ele chamou a atenção da crítica.

O ano de 1970 foi decisivo para a carreira de Bertolucci: ele lançaria A Estratégia da Aranha e O Conformista, com Jean-Louis Trintignant e a estreante Dominique Sanda, ambos tendo como pano de fundo o período fascista. Dois anos depois, aconteceu seu primeiro sucesso mundial: O Último Tango em Paris, com Marlon Brando e Maria Schneider, com sua até hoje polêmica cena da manteiga. Mas o filme vai muito além disso, com uma atuação assombrosa de Brando, que no mesmo ano estava nos cinemas com O Poderoso Chefão.

O grande êxito de O Último Tango em Paris o permitiu escalar um elenco estelar com um grande orçamento para seu próximo projeto, o épico 1900 (1976), um painel da luta de classes na Itália do século XX, passado na região de Parma, onde o diretor nasceu, com Robert De Niro, Gérard Depárdieu, Burt Lancaster, Donald Sutherland, Stefania Sandrelli, Dominique Sanda e Alida Valli.

Três anos depois, ele entra em uma nova polêmica com La Luna, com outra atriz hollywoodiana, Jill Clayburgh, como uma cantora de ópera que comete incesto com o filho, na tentativa de afastá-lo do vício em heroína.

Finalmente, em 1987, ele realiza seu maior projeto, O Último Imperador, sobre Pu Yi, que nasceu para ser imperador, virou um fantoche dos japoneses na Manchúria e morreu como um anônimo camarada na Revolução Cultural de Maozedong. Foi o primeiro filme a ser realizado parcialmente na Cidade Proibida, que surge em imagens lindíssimas, e ganhou nove estatuetas da Academia de Hollywood.

Em 1990 ele faz o belíssimo e subestimado O Céu que nos Protege, baseado em romance de Paul Bowles, com Debra Winger e John Malkovich como um casal americano que viaja para a África para reacender o relacionamento e acaba numa jornada inesperada.

O Pequeno Buda (1993), traz Keanu Reeves encarnando um inadequado Sidarta Gautama – que foi mal recebido –, mas Beleza Roubada (1996), recuperou em parte o prestígio do diretor, e marca a estreia de Liv Tyler nas telas. Em 2003 ele descobre outra bela atriz, francesa como Dominique Sanda e Maria Schneider: Eva Green, em Os Sonhadores, seu último trabalho de alguma relevância e que se passa durante o levante estudantil em Paris, em 1968.

Muito além…

A obra de Bertolucci surge em meio ao ápice dos grandes nomes do cinema italiano citados no primeiro parágrafo, sendo, inclusive, apadrinhado por um deles, mas acaba se inserindo no chamado cinema político da geração posterior, formado principalmente por Gillo Pontecorvo, Elio Petri, Francesco Rossi. Sua obra, no entanto, vai além do ponto de vista marxista, no seu caso, além de enquadrar homens sendo arrastados pela maré da história, existe uma abordagem da liberação da sexualidade feminina pouco vista entre seus colegas.

A personagem de Maria Schneider em O Último Tango em Paris não é uma mera vitima de abuso como querem alguns, mas uma mulher em busca de uma identidade que vai além do papel de futura esposa, e usa a relação com um desconhecido para isso, assim como a jornada trágica de Debra Winger em O Céu que nos Protege, que acaba na descoberta de uma sexualidade que ela desconhecia.

É importante destacar ainda sua parceria com o fotógrafo Vittorio Storaro em O Conformista, A Estratégia da Aranha, O Último Tango em Paris, 1900, O Último Imperador, O Céu que nos Protege e O Pequeno Buda, e que ainda faria com Francis Ford Coppola Apocalispe Now, O Fundo do Coração e Tucker. A música também tem grande importância em sua obra, como atestam as contribuições de Ennio Moricone (1900 e La Luna), Gato Barbieri (O Último Tango em Paris) e Ryuichi Sakamoto (O Último Imperador, O Céu que Nos Protege e O Pequeno Buda).

Marcos Kimura http://www.nerdinterior.com.br

Marcos Kimura é jornalista cultural há 25 anos, mas aficionado de filmes e quadrinhos há muito mais tempo. Foi programador do Cineclube Oscarito, em São Paulo, e técnico de Cinema e Histórias em Quadrinhos na Oficina Cultural Oswald de Andrade, da Secretaria de Estado da Cultura.

Programa o Cineclube Indaiatuba, que funciona no Topázio Cinemas do Shopping Jaraguá duas vezes por mês.

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